terça-feira, 3 de julho de 2012

O desafio de filmar Jorge Amado - Análise do filme Capitães da Areia




Levar para o cinema um romance clássico, lido por sucessivas gerações, é sempre um negócio arriscado. As comparações são inevitáveis e, com frequência, tendem a reforçar a ideia de que o livro é, quase sempre, melhor do que o filme. Por isso, há que se louvar a coragem de Cecília Amado de enfrentar o desafio de transpor para a tela grande Capitães da Areia, uma das mais populares obras de seu avô, o escritor baiano Jorge Amado, e que agora é lançada em DVD.

Publicado em 1937, Capi­­tães da Areia mostra o dia a dia ao mesmo tempo lúdico, violento e trágico de um bando de garotos de rua que sobrevivem de pequenos furtos e golpes aplicados nas ruas de Salvador. Moram todos juntos nas ruínas de um casarão à beira-mar, em um lugar que chamam de Trapiche. Têm como líder o audaz Pedro Bala, que, embora seja um pequeno contraventor, tem o papel de herói do romance de Amado, que sobreviveu bastante bem ao tempo, graças à atualidade da trama, que lida com mazelas sociais que continuam a afligir o país mais de 70 anos após o lançamento da obra.

Trama

Cecília, que também é coautora do roteiro, ao lado de Hélio Fernandes, acerta, todavia, ao não trazer a trama para os dias atuais. Embora a marginalidade juvenil continue a ser um flagelo nas cidades brasileiras, atualizar o enredo de Capitães da Areia acarretaria incluir elementos contemporâneos, como, por exemplo, o uso de drogas, como crack, que talvez acabassem por roubar da história original um de seus traços fundamentais: a visão algo romântica, ainda que pretensamente realista, das aventuras e desventuras do bando de Pedro Bala, vivido com desenvoltura pelo adolescente Jean Luis Amorim.

O respeito da jovem cineasta pela obra do avô, no entanto, tem lá seu preço. Na ânsia de não deixar de lado subtramas, de manter em cena todos os personagens centrais, o filme peca por uma certa falta de fluidez narrativa e pelo fato de algumas dessas histórias paralelas serem mal desenvolvidas, chegando até mesmo a confundir o espectador.

Família abastada

Exemplo disso é o golpe aplicado pelos meninos em uma abastada família soteropolitana. Um dos capitães, o amargurado Sem Pernas (Israel Gouvêa), que enfrenta dificuldades de locomoção por conta de um defeito físico, é adotado por um casal em luto depois da morte de seu único filho. Apesar de ser recebido com todo o carinho e atenção, ele só está ali para facilitar aos seus companheiros o acesso à bela mansão e seus tesouros. O filme não consegue explicar muito bem como ou por que Sem Pernas é adotado, o que torna o episódio todo, importante dentro do enredo, bastante desconectado do resto da narrativa, parecendo gratuito. No livro, ele é bem mais complexo.

O roteiro também não consegue dar conta dos muitos integrantes da gangue que habita o Trapiche. Enquanto o precoce Gato (Paulo Abade) e seu caso de amor com a prostituta Dalva (Ana Cecília) é um dos pontos altos do filme, os conflitos internos entre os capitães, incluindo aí os relacionamentos homossexuais entre alguns dos garotos, são apenas sugeridos e pouco desenvolvidos e problematizados. Esse “pudor” não se justifica, uma vez que o romance teve justamente a coragem de falar de temas considerados tabus.

Romance

A ênfase maior acaba sendo dada ao romance entre Pedro e Dora (Ana Graciela, um dos destaques do bom elenco jovem), uma garota cujos pais morrem em um surto de varíola que se abate sobre a capital baiana e a leva a ingressar na gangue.

A direção de Cecília tem bons momentos. De maneira geral, é competente seu trabalho na condução dos atores jovens, e há algumas belas cenas, sobretudo aquelas em que nada de muito importante parece estar acontecendo e os garotos estão em cena no seu jogo lúdico com a realidade. Pena que a onipresente trilha sonora de Carlinhos Brown, sobretudo o excesso de canções com letras, não nos permitam que essas imagens sejam desfrutadas pelo que são, lhes conferindo sentidos desnecessários.

Apesar desses defeitos, Capitães da Areia é um filme digno, forte e que merece ser visto.

Fonte: Site Gazeta do Povo

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