sábado, 30 de abril de 2011

Amado Jorge! - Revista Conhecimento Prático Literatura Edição 33 - 2010 Parte I

Fascinante, a trajetória de Jorge Amado confunde-se com a própria história cultural do século XX

"Eu sou muito otimista, muito. O Brasil é um país com uma força enorme. Nós somos um continente, meu amor. Nós não somos um paisinho, nós somos um continente, com um povo extraordinário."

João Amado Faria leva seu filho adolescente de volta para o internato, após o período de férias. Despedem-se e João vai embora, acreditando ter deixado o filho na segurança do colégio de padres. Vai descobrir seu engano somente alguns meses mais tarde, ao saber que o garoto, na verdade, está na fazenda do avô, aonde chegou após uma longa viagem solitária pelo interior da Bahia. O jovem é levado de volta para o colégio e, depois desse episódio, desiste das fugas materiais e passa a se concentrar numa artimanha mais elaborada de fuga e protesto: a escrita. Esse jovem é Jorge Amado de Faria. O nosso Jorge Amado.

Nascido numa fazenda no interior do distrito de Itabuna e tendo sido um aluno exemplar, Jorge Amado é aprovado entre os primeiros colocados na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, estado para o qual se transfere em 1930, então com 18 anos. Já no ano seguinte vê seu primeiro romance, O país do carnaval, ser publicado. Com tiragem de mil exemplares, o livro foi bem recebido por público e crítica. Após uma viagem pela zona cacaueira da Bahia, Jorge Amado escreve e publica o romance Cacau, em 1933. Nessa época, conhece Graciliano Ramos* , com quem travaria uma amizade duradoura. No ano seguinte, publica o romance Suor. Nessa época, Jorge Amado não vivia exclusivamente de literatura; foi uma fase de diversos trabalhos como jornalista e editor para várias revistas cariocas.

Nos seus primeiros anos no Rio de Janeiro, Jorge Amado entra em contato, provavelmente influenciado pelo círculo de jovens intelectuais da universidade, com uma ideologia que mudaria seu destino: o comunismo*. A ideologia e a militância que o acompanhariam por toda vida e seriam determinantes na sua trajetória. Filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), Jorge Amado sofre sua primeira prisão política já no ano de 1936, acusado de participar de um levante ocorrido em Natal, no ano anterior. Nesse mesmo ano recebe o Prêmio Graça Aranha, oferecido pela Academia Brasileira de Letras, por seu novo romance, Mar Morto.

No ano seguinte tem sua primeira experiência com cinema, atuando no papel de pescador e colaborando no roteiro do filme Itapuã, de Ruy Santos. Durante uma viagem pela América Latina e os Estados Unidos, é publicado no Brasil o livro Capitães da areia. No seu retorno do exterior, Jorge Amado encontra um momento delicado da história política brasileira: ele pisa em solo nacional durante a agitação decorrente do golpe político de Vargas e instauração do Estado Novo* decorrente do golpe político de Vargas e, diante disso, tenta fugir viajando pelo país, mas é preso rapidamente em Manaus. Seus livros são considerados subversivos e mais de 1.600 exemplares são queimados em praça pública em Salvador, segundo registros militares. É libertado em 1938 e mantém intensa atividade política, posicionando-se publicamente contra a tortura de presos e a desarticulação do Partido Comunista.

No ano de 1939 a obra de Jorge Amado já começa a viajar o mundo, sendo traduzida para o inglês e para o francês. Na mesma época, Albert Camus, escritor e futuro Nobel de Literatura, publica um artigo elogioso a Jubiabá no jornal Alger Républicain. Jorge Amado decide, então, escrever uma biografia de Luis Carlos Prestes, a fim de iniciar uma campanha pela sua anistia. Apesar de ter sido editado em espanhol e circular oficialmente apenas no Uruguai e na Argentina, o livro chega clandestinamente ao Brasil. A obra acaba sendo um pretexto para que Jorge Amado seja preso novamente, mas dessa vez por pouco tempo. As autoridades decidem confiná-lo em Salvador, numa espécie de liberdade condicional e vigiada, mas esse regime não dura muito e, em meados de 1945, o escritor é preso novamente.

Nas eleições de 1945, Jorge Amado é eleito deputado federal, com 15.315 votos. No seu mandato, propõe a regulamentação da Lei de Liberdade de Culto, vigente até hoje. Nesse mesmo ano, já divorciado de sua primeira esposa, Matilde Garcia Rosa, Jorge Amado conhece aquela que viria a ser a companheira de uma vida inteira, a fotógrafa, escritora e também ativista política Zélia Gattai. Nesse período, publica Bahia de todos os santos, Terras do sem ‑ m, Seara vermelha e Homens e coisas do Partido Comunista.

Nas suas viagens e atividades culturais e políticas, Jorge Amado trava amizade com o poeta Pablo Neruda e sua esposa e com o fotógrafo francês Pierre Verger, radicado na Bahia por influência da leitura de Jubiabá. Em 1947, é editado O amor de Castro Alves e a produtora de cinema Atlântida compra os direitos de Terras do sem ‑ m. Ainda no cinema, Jorge Amado escreve o argumento de O cavalo número 13 e Estrela da manhã. Nasce seu primeiro filho, João Jorge. Futuramente, por ocasião do primeiro aniversário da criança, Jorge Amado escreve O gato malhado e a andorinha sinhá. No entanto, a história infantil só seria publicada no final dos anos 70.

Com o cancelamento do registro do Partido Comunista, em 1948, o mandato de Jorge Amado é cassado e seus livros são novamente considerados materiais subversivos e proibidos. O escritor exila-se com a família na Europa, uma vez que sua entrada nos EUA é vetada devido à vigência da lei anticomunista naquele país - até 1952, quando volta ao Brasil e fixa residência no Rio de Janeiro. Ao final dos anos 1950, Jorge Amado abandona a militância política, declarando que seu engajamento era prejudicial a sua atividade literária.   


Jorge e o escritor português José Saramago
Durante o exílio voluntário na Europa, conhece Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Pablo Picasso. Baseado nas observações e experiências de suas viagens pelos países comunistas, Jorge Amado escreve O mundo da paz, no ano de 1950. Ao ser lançado no Brasil, o livro enquadra o escritor na Lei de Segurança. Anos mais tarde, ele proibiria reedições de O mundo da paz, por acreditar que a obra era uma visão desatualizada da realidade dos países socialistas. Nasce, na Tchecoslováquia, sua filha Paloma, no mesmo ano em que Jorge Amado recebe em Moscou o Prêmio Internacional Stalin.

Em 1953, tendo notícia da doença de Graciliano Ramos, Jorge Amado retorna ao Brasil às pressas, para ficar ao lado do amigo. Graciliano Ramos morre pouco tempo depois de sua chegada e é Jorge Amado quem faz o discurso no seu enterro.

Com letra de Jorge Amado e música de Cláudio Santoro, é lançada pela Ricordi brasileira, em 1956, a partitura de Não te digo adeus. Não seria a única aparição do escritor no mundo da indústria fonográfica. Em 1958 - juntamente ao lançamento do grande sucesso Gabriela - sai o disco Canto de amor à Bahia, com leituras de Jorge Amado e música de Dorival Caymmi.

Em 6 de abril de 1961, Jorge Amado é eleito por unanimidade para substituir Otávio Mangabeira na cadeira número 23 da Academia Brasileira de Letras. No mesmo mês, estreia a primeira adaptação de Gabriela para a TV, na Tupi. Para o cinema, a Metro Goldwin adquire os direitos de filmagem dessa obra. Anos mais tarde, porém, o escritor compraria os direitos de volta.

Em meados das comemorações dos seus 30 anos de atividade literária, é publicado Os velhos marinheiros, obra que comporta as novelas A morte e a morte de Quincas Berro D'água e A completa verdade sobre as discutidas aventuras do comandante Vasco Moscoso de Aragão, capitão de longo curso - esta última teria, em 1965, os direitos de filmagem adquiridos pela Warner Brothers. Curiosamente, também em 1961 Jorge Amado é convidado pelo então presidente Juscelino Kubitschek para ser embaixador do Brasil na República Árabe Unida. Ele recusa.

No lançamento de Dona Flor e seus dois maridos, em 1966, são necessários dois dias de sessão de autógrafos em Salvador, devido ao grande público presente. Nos anos de 1967 e 1968, Jorge Amado é candidato ao Prêmio Nobel de Literatura. Conhece o cineasta Roman Polanski, fã do autor, que o visita na Bahia.

Anos mais tarde, conheceria o futuro prêmio Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez, durante uma viagem à Espanha. Nos anos 1970, Jorge Amado já é avô de duas crianças e lança mais uma obra: Tereza Batista cansada da guerra. O escritor também se torna, pela primeira vez dentre muitas que surgiriam, tema de enredo de escola de samba. Também é tema de um documentário feito pelo cineasta Glauber Rocha.

Em 1975 estreia na Rede Globo o maior sucesso do escritor na TV e um dos maiores sucessos da teledramaturgia, a telenovela Gabriela, cravo e canela, dirigida por Walter Avancini e com Sônia Braga no papel título. A atriz ainda viria a figurar outras personagens de Jorge Amado, como Dona Flor, no filme de Bruno Barreto, lançado em 1976. No ano seguinte, com imenso alarde publicitário, é lançado o romance Tieta do Agreste, que viria a se tornar outra novela de sucesso alguns anos mais tarde, pela TV Globo.

Em 13 de maio de 1978, após filhos, netos e anos de união pública, Jorge Amado e Zélia Gattai oficializam seu casamento; a cerimônia acontece em Itapuã. No ano seguinte sai o livro Farda fardão camisola de dormir e estreia na Brodway o musical Saravá, baseado em Dona Flor e seus dois maridos.

Já nos anos 80, o escritor é homenageado no centenário da cidade de Ilhéus com uma placa e uma escultura de bronze, além de nome de rua. É entrevistado em Salvador por Mario Vargas Llosa, que, na época, apresentava um programa de TV no seu país. Em 1982, Jorge Amado passa a ser nome de rua também em Itapuã.
O escritor começa a trabalhar em um livro que se chamaria Bóris, o vermelho, mas que, por diversos motivos, teve sua produção interrompida algumas vezes e nunca chegou a ser concluído. A Caixa Econômica Federal lança seis milhões de bilhetes de loteria com a efígie do escritor. Ainda na década de 80, publica Tocaia Grande e vê a estreia da produção Brasil-Itália Gabriela, novamente com Sônia Braga no papel principal e Marcello Mastroianni no papel de Nacib.

Sabedor da sua importância na história e na cultura brasileiras, Jorge Amado inaugura, em 7 de março de 1987, a Fundação Jorge Amado, que passa a desenvolver um intenso trabalho de preservação e divulgação da obra do escritor. A instituição ­ fica no Largo do Pelourinho, em Salvador, Bahia. Atualmente é um importante núcleo de pesquisas, cursos, palestras e seminários, além, é claro, do trabalho de documentação da obra e biogra­ a do escritor.

Seu falecimento, em 2001, ocorreu por complicações de hiperglicemia e ­ brilação cardíaca. A pedido do escritor, seu corpo foi cremado e suas cinzas enterradas aos pés de uma mangueira na sua casa no Rio Vermelho. Sua morte gerou comoção nacional. Jornalista, músico, militante político, intelectual, escritor e nome de rua em Itapuã: Jorge Amado foi um verdadeiro homem de seu tempo.

 Para saber mais

Jorge Amado no mundo
Jorge Amado ainda é o autor brasileiro mais publicado em todo o mundo, tendo suas obras editadas nos seguintes idiomas: albanês, alemão, árabe, armênio, azeri, búlgaro, catalão, coreano, croata, dinamarquês, eslovaco, esloveno, espanhol, esperanto, estoniano, finlandês, francês, galego, georgiano, grego, guarani, hebraico, holandês, húngaro, iídiche, inglês, islandês, italiano, japonês, letão, lituano, macedônio, moldávio, mongol, norueguês, persa, polonês, romeno, russo, sérvio, sueco, tailandês, tcheco, turco, turcomano,

Graciliano Ramos*
Dono de estilo contundente e direto, Graciliano Ramos é um dos mais importantes autores da literatura brasileira. Nasceu em Quebrangulo, em Alagoas, no ano de 1892 e fez os primeiros estudos no interior de Alagoas, tendo depois tentado o jornalismo no Rio de Janeiro. Regressou a Palmeira dos Índios (AL), cidade da qual foi prefeito, em 1928, renunciando ao cargo dois anos depois e passando a dirigir a Imprensa Oficial do Estado. Em 1933, foi nomeado Diretor da Instrução Pública. Por suspeita de ligação com o comunismo, foi demitido e preso em 1936. Remetido ao Rio de Janeiro, permaneceu encarcerado na Ilha Grande, onde escreveu Memórias do cárcere. Em 1945, aderiu ao Partido Comunista Brasileiro. Suas obras mais importantes são São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1938).


Comunismo*
O comunismo é uma estrutura sócioeconômica e uma ideologia política que pretende promover o estabelecimento de uma sociedade igualitária, sem classes e apátrida, baseada na propriedade comum e no controle dos meios de produção e da propriedade em geral. O comunismo, no sentido marxista, refere-se a uma sociedade sem classes, sem Estado e livre de opressão, onde as decisões sobre o que produzir e quais as políticas devem prosseguir são tomadas democraticamente, permitindo que cada membro da sociedade possa participar do processo decisório, tanto na esfera política e econômica da vida.


Estado Novo e Golpe de 1937*
De 1937 a 1945, vigorou no Brasil um governo centralizado e autoritário, de tendências fascistas, que ficou conhecido como Estado Novo. O golpe de estado aconteceu em 1937, quando Getúlio Vargas, com a ajuda de militares e de uma massiva propaganda anticomunista, tomou o poder por completo, fechando o Congresso Nacional, extinguindo os partidos políticos e instaurando uma nova Constituição. Durante a vigência do Estado Novo foram presos diversos políticos, artistas e cidadãos comuns pelos chamados "crimes políticos", entre eles Monteiro Lobato e Luís Carlos Prestes. O Estado novo acabou oficialmente com a deposição de Getúlio Vargas, em 1945.

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