Roberto DaMatta, Ana Maria Machado e David Treece |
LONDRES - “Vocês [europeus] é que deveriam estar discutindo Jorge Amado, não nós.” Assim concluiu o seu raciocínio um enérgico Roberto DaMatta, em evento na última sexta-feira, dia 8, da British Library, sobre o escritor que foi quase sinônimo do Brasil para o mundo, e que comemoraria 100 anos em 2012. No evento na biblioteca nacional da Inglaterra, participaram, além de DaMatta, os escritores João Ubaldo Ribeiro e Ana Maria Machado, a professora Maria Lucia Pallares-Burke, o brasilianista Kenneth Maxwell e pesquisadores de diferentes universidades inglesas.
Para DaMatta, Jorge Amado conseguiu ver beleza na mistura cultural, bem diferente do que acontece atualmente na Europa em geral.
— Estive na França há pouco e vi como os franceses estão incomodados com a presença de negros em todos os lugares — contou ele, argumentando que a mestiçagem mascara outra questão, a intimidade. — O mestiço mostra que um negro e uma branca, ou um branco e uma negra fizeram sexo. E isso 'não é possível' — ironizou.
— Em certo momento do romance, Flor se pergunta por que ela tem que escolher entre Vadinho e Teodoro. Aqui o dilema não é 'to be or not to be', mas 'to be and to be'. Flor, então, decide não decidir — comentou para a plateia de cerca de cem pessoas, de maioria brasileira, e minoria britânica curiosa.
O tema do triângulo amoroso bem resolvido foi lembrado também pela presidente da Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado. A escritora defendeu que a nossa literatura tem dois exemplos fundamentais desse tipo único de figura geométrica, mas com climas inversos, o trágico “Dom Casmurro” e o cômico “Dona Flor e seus dois maridos”. Ana Maria também citou a má-vontade de parte da universidade com Jorge Amado. Para ela, esse comportamento se deve ao fato de um pensamento pré-formado estar se repetindo há muito tempo, sem qualquer revisão.
— Vamos começar a debater Jorge Amado depois de ler os seus livros — afirmou.
Bem humorado, o também escritor João Ubaldo Ribeiro contou causos sobre o seu compadre baiano, além de dizer como ele foi um exemplo em outros países de língua portuguesa, principalmente na África.
— Jorge era visto como um defensor da liberdade, tinha colocado protagonistas negros, era comunista, havia sido preso e até passou por um período no exílio. Era uma ótima referência para quem tentava a independência de um Portugal governado por Salazar — lembrou.
O historiador Alberto da Costa e Silva não pôde ir, mas pediu para Ana Maria ler suas anotações. Em uma palestra que resumiu a história do povo Iorubá, a maioria que foi transportada para a Bahia, ele corrigiu Pierre Verger, dizendo que a África não havia se mudado para o Brasil, mas tinha se instalado nos romances de Jorge Amado.
O evento contou ainda com o também historiador e brasilianista Kenneth Maxwell, que lembrou sua primeira visita ao Brasil e à Bahia, guiado por um livro de Jorge Amado, além de citar o epíteto “comunista tropical”, em relação ao período de maior engajamento político do escritor brasileiro; Maria Lucia Pallares-Burke traçou paralelos entre a vida e a obra de Jorge Amado e Gilberto Freyre; David Treece, do King's College de Londres, falou que a mestiçagem tratada pelo escritor brasileiro tinha duas formas de serem encaradas: uma de agregação da sociedade e outra de desmobilização política; Mark Sabine, da Universidade de Nottingham, especulou que Charles Dickens seria o mais próximo de Jorge Amado que os ingleses já produziram; Peter Wade, da Universidade de Manchester, mostrou como a mestiçagem tem problemas de inclusão e exclusão ao mesmo tempo.
Em entrevista, a curadora para a América Latina da British Library, Elizabeth Cooper, concorda, de certa forma, com a opinião de DaMatta, sobre como o escritor baiano continua ser contemporâneo:
— Ele ensina a não ter medo do desconhecido, da ambiguidade. Em um mundo tão ligado a categorização, ele mostra que vivemos num mesmo ambiente. Ele fala tanto sobre a Bahia mas toca em dilemas universais.
Fonte: Site Jornal O Globo
*Por Ronaldo Pelli
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