Na década de 1950, Jorge Amado engaja sua obra na construção de uma mitologia comunista. Era um momento de legalidade democrática, no qual o Partido Comunista buscava conquistar eleitores, e não revolucionários para seus quadros.
Ele escreve “Agonia na Noite”, romance que se passa em Santos. A história do livro começa logo após a instauração do Estado Novo (1937) no Brasil, durante os anos da Guerra Civil espanhola (1936-1939), reconhecida antessala da 2ª Guerra Mundial, opondo fascistas e nazistas contra os aliados comunistas e capitalistas que se odiavam entre si. Antes da guerra, porém, o livro narra os episódios de um drama épico dos estivadores e trabalhadores comunistas de Santos irmanados na revolução internacional.
Com esta intenção, o autor não descreve Santos como uma cidade de ruas, avenidas, comércio. Não precisa. A Santos de Jorge Amado não é simplesmente uma cidade, mas um campo de força comunista que se irradia a partir do porto por águas internacionais, atingindo a Europa. É a “Moscouzinha Brasileira”, como ficou conhecida nessa época devido à real importância e ascendência do comunismo sobre os trabalhadores da cidade. Mesmo após a cena em que o exército toma a cidade para acabar com uma greve, ela ainda exala o espírito vermelho:
Ocupada por soldados, conquistada, mas não apagada a flama interior que a sustentava. Assim era Santos nesses dias, aurora da liberdade empedernida, bandeira do futuro desfraldada, vermelha, cidade comunista!
Esse caráter de espaço da revolução internacional, que a cidade exerce por causa do cosmopolitismo de sua atividade de porto das trocas internacionais, fica bem claro na obra quando a ação se desloca para a Guerra Civil espanhola, mencionada acima. Lutando ao lado dos republicanos, o capitão brasileiro Apolinário Rodrigues aguarda ansiosamente notícias do Brasil sobre a greve no porto de Santos, causa da intervenção do exército, onde estivadores se negavam a embarcar café em um navio nazista destinado a abastecer as tropas falangistas, de Franco, que tinha o apoio de Hitler e Mussolini.
Após uma batalha em que a brigada da qual faz parte o brasileiro consegue reter um ataque falangista, soldados levam a Apolinário um republicano de outro destacamento, também ele um estrangeiro. Assim eles se apresentam:
- Sargento Franta Tyburec.
(...)
- Russo?
O sargento fala em espanhol com um acento pesado:
- Tcheco. Mineiro e comunista. Sargento da companhia Gottwald, da décima terceira brigada, a brigada Dimitrov...
- Capitão Apolinário Rodrigues.
- Espanhol?
- Brasileiro e comunista. Brigada Lincoln. O melhor é vir conosco. Vamos pernoitar na aldeia que está mais adiante.
Não importa a nacionalidade, o comunismo os irmana. Mais adiante, o tcheco pergunta:
- Brasil? – interrogou o sargento. – Não é do Brasil que tem um porto chamado Santos?
E, antes mesmo de ouvir a resposta de Apolinário, concluiu:
- Sim, é no Brasil mesmo, o país do café. Pois ainda de manhã li, num jornal de Barcelona, uma reportagem comprida sobre uma greve nesse porto. Uma coisa formidável...
Para Tyburec, a luta é claramente internacional (“cada palmo de terreno ganho na Espanha é uma barreira levantada na fronteira entre a Alemanha e a Tcheco-Eslováquia”), e por meio da voz do personagem, Jorge Amado constrói um espaço de influência para o campo de força de Santos, irradiado desde lá do outro lado do Atlântico:
- Eu não sei o que ainda vai suceder pelo mundo. Não sei o que vai se passar em minha pátria. Não sei mesmo como vai terminar esta guerra de Espanha. Mas, quando li a reportagem sobre a greve no Brasil, senti que, aconteça o que acontecer, nós vamos ganhar, no fim... Quando todos os trabalhadores compreenderem... Nós somos os mais fortes.
Lógico que Tyburec reencontra o jornal quando volta para a sua brigada. Apolinário acaba por receber a reportagem e a lê em voz alta para seus companheiros. A cena acaba com o sargento tcheco fazendo um brinde à saúde dos operários brasileiros e “à memória dos que tombaram nessa greve”. Assim, Jorge Amado cria um eixo comunista que vai de Santos a Praga, passando pela Espanha. É um eixo que da ficção se repete na realidade da própria circulação do livro, traduzido para o espanhol, russo, chinês, tcheco, alemão, romeno, búlgaro e polonês, levando para todas estas línguas parte do imaginário e da identidade de nossa cidade.
Referências
AMADO, Jorge. Agonia na Noite. São Paulo: Martins, 1968 (1ª Edição 1954).
RODRIGUES TAVARES, Rodrigo. A “Moscouzinha Brasileira”: Cenários e Personagnes do Cotidiano Operário de Santos (1934-1954). São Paulo Humanitas e FAPESP, 2007.
* Alessandro Atanes, jornalista, é mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Servidor público de Cubatão, atua na assessoria de imprensa da prefeitura do município.
Ele escreve “Agonia na Noite”, romance que se passa em Santos. A história do livro começa logo após a instauração do Estado Novo (1937) no Brasil, durante os anos da Guerra Civil espanhola (1936-1939), reconhecida antessala da 2ª Guerra Mundial, opondo fascistas e nazistas contra os aliados comunistas e capitalistas que se odiavam entre si. Antes da guerra, porém, o livro narra os episódios de um drama épico dos estivadores e trabalhadores comunistas de Santos irmanados na revolução internacional.
Com esta intenção, o autor não descreve Santos como uma cidade de ruas, avenidas, comércio. Não precisa. A Santos de Jorge Amado não é simplesmente uma cidade, mas um campo de força comunista que se irradia a partir do porto por águas internacionais, atingindo a Europa. É a “Moscouzinha Brasileira”, como ficou conhecida nessa época devido à real importância e ascendência do comunismo sobre os trabalhadores da cidade. Mesmo após a cena em que o exército toma a cidade para acabar com uma greve, ela ainda exala o espírito vermelho:
Ocupada por soldados, conquistada, mas não apagada a flama interior que a sustentava. Assim era Santos nesses dias, aurora da liberdade empedernida, bandeira do futuro desfraldada, vermelha, cidade comunista!
Esse caráter de espaço da revolução internacional, que a cidade exerce por causa do cosmopolitismo de sua atividade de porto das trocas internacionais, fica bem claro na obra quando a ação se desloca para a Guerra Civil espanhola, mencionada acima. Lutando ao lado dos republicanos, o capitão brasileiro Apolinário Rodrigues aguarda ansiosamente notícias do Brasil sobre a greve no porto de Santos, causa da intervenção do exército, onde estivadores se negavam a embarcar café em um navio nazista destinado a abastecer as tropas falangistas, de Franco, que tinha o apoio de Hitler e Mussolini.
Após uma batalha em que a brigada da qual faz parte o brasileiro consegue reter um ataque falangista, soldados levam a Apolinário um republicano de outro destacamento, também ele um estrangeiro. Assim eles se apresentam:
- Sargento Franta Tyburec.
(...)
- Russo?
O sargento fala em espanhol com um acento pesado:
- Tcheco. Mineiro e comunista. Sargento da companhia Gottwald, da décima terceira brigada, a brigada Dimitrov...
- Capitão Apolinário Rodrigues.
- Espanhol?
- Brasileiro e comunista. Brigada Lincoln. O melhor é vir conosco. Vamos pernoitar na aldeia que está mais adiante.
Não importa a nacionalidade, o comunismo os irmana. Mais adiante, o tcheco pergunta:
- Brasil? – interrogou o sargento. – Não é do Brasil que tem um porto chamado Santos?
E, antes mesmo de ouvir a resposta de Apolinário, concluiu:
- Sim, é no Brasil mesmo, o país do café. Pois ainda de manhã li, num jornal de Barcelona, uma reportagem comprida sobre uma greve nesse porto. Uma coisa formidável...
Para Tyburec, a luta é claramente internacional (“cada palmo de terreno ganho na Espanha é uma barreira levantada na fronteira entre a Alemanha e a Tcheco-Eslováquia”), e por meio da voz do personagem, Jorge Amado constrói um espaço de influência para o campo de força de Santos, irradiado desde lá do outro lado do Atlântico:
- Eu não sei o que ainda vai suceder pelo mundo. Não sei o que vai se passar em minha pátria. Não sei mesmo como vai terminar esta guerra de Espanha. Mas, quando li a reportagem sobre a greve no Brasil, senti que, aconteça o que acontecer, nós vamos ganhar, no fim... Quando todos os trabalhadores compreenderem... Nós somos os mais fortes.
Lógico que Tyburec reencontra o jornal quando volta para a sua brigada. Apolinário acaba por receber a reportagem e a lê em voz alta para seus companheiros. A cena acaba com o sargento tcheco fazendo um brinde à saúde dos operários brasileiros e “à memória dos que tombaram nessa greve”. Assim, Jorge Amado cria um eixo comunista que vai de Santos a Praga, passando pela Espanha. É um eixo que da ficção se repete na realidade da própria circulação do livro, traduzido para o espanhol, russo, chinês, tcheco, alemão, romeno, búlgaro e polonês, levando para todas estas línguas parte do imaginário e da identidade de nossa cidade.
Referências
AMADO, Jorge. Agonia na Noite. São Paulo: Martins, 1968 (1ª Edição 1954).
RODRIGUES TAVARES, Rodrigo. A “Moscouzinha Brasileira”: Cenários e Personagnes do Cotidiano Operário de Santos (1934-1954). São Paulo Humanitas e FAPESP, 2007.
* Alessandro Atanes, jornalista, é mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Servidor público de Cubatão, atua na assessoria de imprensa da prefeitura do município.
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