segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Posfácio De Milton Hatoum no livro Capitães da Areia




“Em 1937 Capitães da Areia foi censurado e depois queimado em Salvador”, disse minha professora de português, quando eu estudava no Ginásio Amazonense Pedro II, em Manaus.
A frase da professora aumentou a curiosidade dos estudantes por este romance, um dos livros obrigatórios do curso de literatura brasileira. Por sorte, a leitura deu prazer aos jovens leitores. Agora, ao reler a história dos meninos do trapiche, encontrei o mesmo deleite, mas com outro olhar: o leitor de 1966 não é o mesmo de 2008.
É surpreendente a atualidade dos temas de Capitães da Areia. O assunto e as questões sociais que o livro explora em profundidade são, em larga medida, os mesmos da “cidade da Bahia” e de muitas outras cidades, do Brasil e da América Latina. Lido hoje, este romance ainda comove e faz pensar nas crianças desvalidas, nas crianças de rua, nas crianças abandonadas, quase todas órfãs de pai e mãe, filhos da miséria e do abandono. Atiradas à marginalidade, elas roubam e cometem outros delitos para sobreviver. Detidas, são submetidas à humilhação, ao castigo, à tortura.
A meu ver, este romance de Jorge Amado antecipou de um modo lúcido e incisivo a vida das crianças que esmolam nas ruas das cidades brasileiras. E essa é uma das mensagens mais poderosas de Capitães da Areia. Hoje, a violência urbana tem uma relação estreita com o tráfico de drogas, enquanto os meninos desta obra de ficção furtam para sobreviver. Mas até certo ponto, as raízes do problema são as mesmas: a ausência da família e da escola, agravada pela vida degradante nas favelas e cortiços de tantas cidades.
Como ocorre em Jubiabá e outros romances de denúncia social, Jorge Amado construiu um microcosmo ficcional. Em Capitães da Areia, os personagens mais relevantes são meninos de 5 a 15 anos. Eles moram num velho trapiche abandonado no cais de Salvador, a “Cidade da Bahia” que eles tanto conhecem em suas andanças e aventuras de vagabundos. Nesta cidade hostil, eles só podem contar com dois amigos: um padre e uma mãe-de-santo. Não há traição entres os pivetes do bando. Tudo é regido por “uma lei e uma moral”, por códigos de lealdade e solidariedade. O leitor acompanha a trajetória de vida do Sem-Perna, um menino manco que se vale do defeito físico para ser acolhido em casas de ricos, que depois serão assaltadas. Pirulito, “alto e muito magro, cara seca e amarelada, com ar de asceta”, é uma criança devota que coleciona imagens de santos e sonha em ser padre. Volta Seca, afilhado de Virgulino Lampião, almeja entrar no cangaço para vingar a morte da mãe. João José, o Professor – ladrão de livros e o único menino letrado –, lê histórias de aventuras e desenha o rosto de pessoas para ganhar uns trocados. Gato, “o elegante do grupo”, apaixona-se por uma prostituta, com quem mantém uma relação duradoura; e o chefe dos Capitães, Pedro Bala, é filho de um líder de estivadores, assassinado durante uma greve dos doqueiros. Os capítulos breves lembram os de um folhetim, em que protesto social e lirismo não se excluem. E, de fato, como observou Eduardo de Assis Duarte:
“o conflito que move o romance é basicamente folhetinesco: pobres contra ricos, fracos contra fortes, pequenos marginais contra a sociedade opressora. O insólito do folhetim se materializa nos rostos angelicais, porém malvados; nos gestos inocentes encobrindo ou propiciando o roubo, a trapaça, o estupro. A violência, elemento caro ao roman-feuilleton, decorre do quadro de enfrentamento social vivido pelo protagonista e ser grupo. Ela é muitas vezes gratuita, outras tantas necessária ou mesmo ‘justa’., segundo o código de valores da narrativa. Todavia sempre choca, visando a provocar emoções primárias de terror, piedade ou admiração. A violência é meio de ação dos mocinhos-bandidos, mas é também fim nas típicas atitudes de vingança do aparelho repressivo: sede, fome, espancamento, clausura…Em todo o texto, é enfatizado o sentido melodramático de pureza infantil ‘abandonada e perseguida’ no labirinto da cidade degradante e degradada”. [1]

Em Jubiabá, seu romance anterior, Jorge Amado já revelara talento ao misturar poesia com documento, como assinalou Antonio Candido.  Lirismo e crítica social também andam juntos em Capitães da Areia, onde não faltam peripécias romanescas, aventuras de toda sorte, e um pendor à idealização de tipos humanos humildes e desvalidos.
O que mais me comoveu ao reler esse livro não foi sua explícita mensagem ideológica, sobretudo no desfecho, em que alguns meninos, agora jovens e quase adultos, empenham-se “a mudar o destino dos pobres”. O mais impressionante na vida dessas “cinqüenta crianças sem pai, sem mãe, sem mestre” é a sede de amor e ternura, o desejo recorrente e desesperado de pertencer a uma família e conquistar um lugar digno na sociedade.  É difícil não se comover diante do dilema do Sem-Pernas, quando este, com voz de choro, diz que é um aleijão, não quer ser malandro, e pede abrigo na casa de dona Ester, casada com um advogado rico. Ao ver o menino, a mulher do advogado se sensibiliza, relembra o filho morto, e acolhe Sem-Pernas.  O plano de assaltar a casa é adiado porque o menino é tratado pelo casal com carinho e regalias, como se fosse um filho querido. E pela primeira vez o Sem-Pernas pensa em trair os amigos:
Antes de tudo estava a lei do grupo, a lei dos Capitães da Areia. Os que a traíam eram expulsos e nada de bom os esperava no mundo. E nunca nenhum a havia traído do modo como o Sem-Pernas a ia trair. Para virar menino mimado, para virar uma daquelas crianças que eram eterno motivo de galhofa para eles. Não, não os trairia. Teriam bastado três dias para ele localizar os objetos de valor da casa. Mas a comida, a roupa, o quarto, e mais que a comida, a roupa e o quarto, o carinho de dona Ester tinham feito que ele passasse já oito dias. Tinha sido comprado por esse carinho como o estivador fora comprado por dinheiro. Não, não trairia. Mas aí pensou se não ia trair dona Ester. Ela confiara nele. Ela também na sua casa tinha uma lei como os Capitães da Areia: só castigava quando havia erro, pagava o bem com o bem. Lembrou-se que das outras vezes, quando dava o fora de uma casa para ela ser assaltada, era uma grande alegria que o invadia. Desta vez não tinha alegria nenhuma. Seu ódio para todos não desaparecera, é verdade. Mas abria exceção para a gente daquela casa, porque dona Ester o chamava de filho e o beijava na face. O Sem-Pernas luta consigo mesmo. Gostaria de continuar naquela vida. Mas que adiantaria isso para os Capitães da Areia? E ele era um deles, nunca poderia deixar de ser um deles porque uma vez os soldados o prenderam e o surraram enquanto um homem de colete ria brutalmente. E o Sem-Pernas se decidiu. Mas olhou com carinho as janelas do quarto de dona Ester e ela, que o espiava, notou que ele chorava…(pp. 119-120)
E isso independe da cor e do sexo dos personagens. Pedro Bala, o chefe dos Capitães, e Dora, a única moça do bando, são loiros. Ao contrário do que muitos leitores tendem a pensar, Jorge Amado não faz a apologia do negro nem da cultura africana da Bahia.  As crianças deste romance são brancas, morenas, negras, mestiças. E uma delas, o Gringo, é filho de imigrantes estrangeiros. O que as une é a miséria, a razão de existir, a luta tenaz contra tudo e todos, contra a cidade que se torna uma inimiga. Nesse sentido, Capitães da Areia é um romance sobre o desamparo e o abandono de crianças, não apenas nordestinas. O Professor encontra um mecenas que manda o jovem artista para o Rio, onde pintará quadros sobre o bando a que pertencera. Pirulito, ajudado por um padre amigo e protetor dos Capitães, será frade capuchinho numa vila do alto sertão. Poucos conseguem sair das ruas e da delinquência, mas todos anseiam por uma vida melhor e mais digna, mesmo sabendo que será muito difícil alcançá-la.
Em várias passagens Jorge Amado explora possibilidades de redenção, de sonho, ou de utopia, para usar uma palavra do título do livro de Eduardo de Assis Duarte. Uma cena em que mais de cem crianças brincam no carrossel de Nhozinho França é exemplar:
“O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saía do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia… Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e o conforto da música. Volta Seca não pensava com certeza em Lampião neste momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O Sem-Pernas em se jogar no mar, onde os sonhos são todos belos.” (p. 59)
A brincadeira no carrossel é uma pausa na vida arriscada e marginal, uma entrega à magia e ao sonho da infância. A música – “uma valsa velha e triste, já esquecida por todos os homens da cidade” – tem o poder de irmanar as crianças e de devolver a elas um pouco de alegria.  Ao mesmo tempo é uma possibilidade de conquistar a liberdade, ainda que provisória. O narrador alterna esses momentos de lirismo com cenas dramáticas, deixando em suspense ou adiando o desfecho de várias aventuras que vão sendo tramadas ao longo da narrativa. Um dos pontos altos do romance é a captura de Pedro Bala. Preso e depois conduzido ao Reformatório de Menores Abandonados e Delinqüentes, o chefe dos Capitães é espancado e trancado numa cafua. Com fome e sede, jogado nas trevas de uma “solitária”, Pedro Bala evoca a vida infeliz dos capitães da areia, sua paixão por Dora, o sofrimento e a humilhação da menina confinada no Orfanato Nossa Senhora da Piedade.
Mais de setenta anos depois da primeira edição, Capitães da Areia continua a ser lido não apenas como um registro social de uma época e de um lugar específico, mas também como uma obra literária que habilmente soube evocar um drama humano que ainda perdura.


[1] Duarte, Eduardo de Assis. Jorge Amado: romance em tempo de utopia, Rio de Janeiro, Record, pp. 114-116.

*Posfácio de Capitães da Areia, edição da Companhia das Letras

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Revista Blimunda homenageia Jorge Amado


A edição do mês de agosto da revista Blimunda, feita pela Fundação José Saramago, traz uma grande reportagem sobre o centenário de Jorge Amado.
Confira a revista na íntegra acessando o link.



Não se comemora o centenário de um escritor, celebram-se os cem anos de vida de um ser humano que a qualquer momento pode aparecer numa esquina, com uma camisa branca, ou talvez de flores, com um gesto tão aberto que nele podem continuar a refugiar-se gerações de pessoas, com uma incorruptível amizade, a mesma que o fez cruzar um século sempre acompanhado, tão confortável na sua pele como na sua relação com outros, sempre seus semelhantes. Porque Jorge Amado era dessa estirpe “graças a Deus”, como diria Zélia Gattai quando se definiu a si mesma como anarquista por influência divina.

Jorge Amado e José Saramago poderiam ter tido uma relação mais dilatada no tempo. Teria bastado que Saramago desse o pequeno passo que o aproximaria do grande escritor brasileiro num tempo em que o mundo era jovem, mas o sentido do respeito devido ao mestre levou a que o português seguisse o seu caminho e esperasse que um dia, talvez, acontecesse o que tivesse de acontecer. E assim foi. Saramago não se mostrou perante Jorge Amado de mãos vazias, quando chegou à sua presença e amizade levava – simbolicamente, claro – uns quantos livros que justificavam que ambos se encontrassem e se tratassem por tu. Puderam fazê-lo, fizeram-no e profundamente, porque se a relação entre o escritor da Bahía e o do Ribatejo não abarcou mais de uma década, foi suficientemente intensa para que se contassem medos e projetos, sonhos por realizar, aventuras que ficariam por viver e outras bebidas até à última gota. Os dois escritores conversaram sobre política e paixões, dificuldades e logros, por vezes com picardia, por vezes com uma seriedade quase doutoral que rematavam com uma gargalhada, e daquelas conversas ficam ecos que alguns amigos de vez em quando recompõem aos pedaços. Que pena que a grande Zelia Gattai não esteja aqui para documentar, com a sua prosa fresca e lúcida, aqueles encontros na Bahía, em Paris, Roma, Madrid e Lisboa, aquelas viagens pela Galiza ou pelo norte de Itália, aqueles projetos de contruir pontes sobre rios e mares, sobre oceanos, talvez entre planetas se ali existir o cheiro a canela, que é o cheiro da vida que eles tanto amaram, os três, Jorge e Zélia, José.

Começa agora o ano de Brasil-Portugal. A Fundação José Saramago entra em pleno nesta aproximação porque nasceu também para isso. Celebrar os anos de Jorge Amado no seu dia, no seu mês, é o primeiro passo. Depois virão outras atividades em que se irá contando que os seres humanos não passam, ficam, são imortais enquanto haja quem os recorde e festeje. Com dignidade, lucidez e emoção.

No enterro de José Saramago recordou-se Jorge Amado, o momento em que o avião em que o casal Amado-Gattai viajava teve de fazer uma aterragem de emergência. Então, Jorge, que tinha pânico de voar, pôs-se a pedir aos gritos o jornal, ante o espanto de Zelia: “Mas Jorge, vamos morrer e tu pões-te a pedir o jornal?” “Queres que morra sem saber o que passa no mundo?”, foi a resposta do marido. Pois se no enterro de José Saramago se recordou esse facto para dizer que no mundo, segundo os jornais, o que se havia passado era que tinha morrido um homem bom, um imprescindível, hoje pode acrescentar-se que os meios de comunicação, as livrarias, as bibliotecas contam nestes dias de agosto que um grande escritor está em festa de aniversário e nós com ele. Que não se foi, por isso, contrariando o jornal mexicano La Jornada que escrveu em manchete quando o escritor do Brasil morreu “Adiós, Amado”, hoje, na Fundação José Saramago o que dizemos, e connosco os que visitam a exposição e leem os seus livros é “Olá, Amado”.

Fonte: Site Fundação José Saramago

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Ditadura Vargas incinerou em praça pública 1.640 livros de Jorge Amado



Perplexas, centenas de pessoas se aglomeraram em frente à Escola de Aprendizes de Marinheiros, em Salvador, no fim da tarde daquela sexta-feira - 19 de novembro de 1937 -  para assistir a um espetáculo inusitado. Em frente ao que hoje é a sede do Segundo Distrito Naval, na Avenida Contorno, uma grande fogueira de livros ardia,  grossos rolos de fumaça escureciam o céu e um forte cheiro de papel queimado se espalhava pelas imediações da parte baixa do Elevador Lacerda e atingia até mesmo a parte alta, a Praça Municipal, a Rua Chile e a Praça da Sé.

Não era um incêndio comum, mas a queima de 1.827 livros considerados “propagandistas do credo vermelho”, como eram chamados pelos militares que, nos dias anteriores, tinham percorrido as livrarias da cidade e apreendido quantos exemplares encontraram. Entre os livros que viraram cinzas naquela tórrida tarde primaveril em Salvador, 1.694 - mais de 90% - eram de autoria de um  jovem  jornalista e escritor baiano:  Jorge Amado.

Os militares baianos cumpriam ordens do interventor recém-nomeado para a Bahia, o coronel Antônio Fernandes Dantas, comandante da VI Região Militar. O episódio gerou curiosamente uma ata, que foi publicada quase um mês depois da fogueira literária pelo jornal Estado da Bahia, de propriedade dos Diários Associados, do magnata da imprensa Assis Chateubriand. O documento (veja reprodução ao lado) serve para demonstrar o quanto havia de intolerância e forte tensão naqueles anos que antecederam a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Sob a lupa da repressão estavam os ideais do jovem Jorge.

Oprimidos
Então com 25 anos, ele já conquistara notoriedade como autor de uma temática fortemente social, de   romances considerados “proletários”. Jorge Amado expunha as mazelas do capitalismo, a exploração do trabalho pelo capital e a luta de classes, dissecados em meio a uma saborosa prosa de feição modernista, nas quais exaltava, ao mesmo tempo, a sensualidade do povo baiano, suas crenças e tradições, o folclore e a cultura popular.

Jorge Amado começava a se destacar internacionalmente com a tradução de seus livros, inicialmente para países da América Latina. E era, justamente por isso, um dos mais visados entre os intelectuais brasileiros.  Esquerdista, 
ele já tinha sido preso no ano anterior pela polícia política de Getúlio Vargas, na repressão que se seguiu à Intentona Comunista, levante militar promovido pelo proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB) no Rio de Janeiro, antecedido por iguais sedições em Natal e Recife, movimentos revoltosos duramente reprimidos.

Colegas
Além dos militantes comunistas, passaram a ser perseguidos na época muitos jornalistas e escritores, poetas e artistas engajados na oposição a Getúlio Vargas, fossem ou não filiados ao  PCB.  Exemplo de José Lins do Rego, escritor paraibano que não era comunista, e até nutria simpatias pelo integralismo, mas teve vários de seus livros, como Menino de Engenho, arrastados para a fogueira.

Além de Jorge Amado, foram presos naquele ano o líder do PCB, Luiz Carlos Prestes, e a mulher dele, Olga Benário, o militar Agildo Barata, o jornalista Aparício Torelly (o “Barão de Itararé”), o advogado Hermes Lima e o escritor Graciliano Ramos, que retratou magistralmente a saga que vivera no clássico Memórias do Cárcere, onde está uma frase lapidar, que simboliza o eterno conflito entre a liberdade intelectual e o poder discricionário: “Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social”.

Censura
A perseguição às obras de Jorge Amado não era novidade. Desde cedo ele sentiu a mão pesada da censura. Cacau, lançado em 1933, esteve ameaçado de não ter a publicação autorizada pelo governo Vargas. Liberado graças a intervenções de amigos, vendeu em um mês dois mil exemplares, fato que catapultou o autor para a fama. A sua ficção, tida como subversiva, lhe rendeu processos, a prisão e, mais tarde, o exílio.

Estava preso quando da publicação de Mar Morto, em 1936. Novamente detido em 1937, poucos dias antes da instalação da ditadura do Estado Novo, foi na prisão que soube da queima de seus livros  em praça pública, entre os quais o recém-lançado Capitães da Areia, que retrata o submundo em que viviam os hoje chamados meninos de rua.

Exatos nove dias antes da incineração, o presidente Getúlio Vargas dera um golpe de Estado: fechou o Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras municipais em todo o país. Extinguiu também todos os partidos políticos, nomeou interventores para substituir os governadores eleitos, instituiu a censura à imprensa e ordenou a prisão de “elementos comunistas”.

Era a ditadura do Estado Novo, que outorgou uma nova Constituição, de cunho marcadamente fascista, e pôs o Brasil em Estado de Guerra, com a supressão de direitos civis e liberdades democráticas, perseguindo ferozmente quem professasse a ideologia comunista. Ou apenas simpatizasse e até mesmo tivesse publicado algo que pudesse ser entendido como de tendência esquerdista. E foi assim que a literatura de Jorge virou fogueira em praça pública.




Transcrição da ata ordenando a queima de livros em Salvador

Aos dezenove dias do mês de novembro de 1937, em frente à Escola de Aprendizes Marinheiros, nesta cidade do Salvador e em presença dos senhores membros da comissão de buscas e apreensões de livros, nomeada por ofício número seis, da então Comissão Executora do Estado de Guerra, composta dos senhores capitão do Exército Luís Liguori Teixeira, segundo-tenente intendente naval Hélcio Auler e Carlos Leal de Sá Pereira, da Polícia do Estado, foram incinerados, por determinação verbal do sr. coronel Antônio Fernandes Dantas, comandante da Sexta Região Militar, os livros apreendidos e julgados como simpatizantes do credo comunista (...)
 Tendo a referida ordem verbal sido transmitida a esta Comissão pelo sr. Capitão de Corveta Garcia D'Ávila Pires de Carvalho e Albuquerque e a incineração sido assistida pelo referido oficial, assim se declara para os devidos fins.

Os livros incinerados foram apreendidos nas livrarias Editora Baiana, Catilina e Souza e se achavam em perfeito estado.

Por nada mais haver, lavra-se o presente termo, que vai por todos os membros da Comissão assinado, e, por mim segundo tenente intendente naval Hélcio Auler, que, servindo de escrivão, datilografei. (assinados)

Luís Liguori Teixeira, Cap. Presidente
Hélcio Auler, Segundo-Tenente Int. N.
Carlos Leal de Souza Pereira

Transcrito do jornal Estado da Bahia, de 17-12-37


Por: Jorge Ramos - jornalista e escritor
Fonte: Correio o que a Bahia quer saber

domingo, 19 de agosto de 2012

Campus de Ipiauí sedia seminário sobre Jorge Amado




Debater sobre a produção literária do escritor Jorge Amado e refletir sobre as identidades baianas retratadas pelas obras do autor. 

Estes são os principais objetivos do seminário IV Grandes Autores e Obras da Literatura Luso-Afro-Brasileira, que acontece entre os dias 27 e 29 de agosto, no Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias (DCHT) do Campus XXI da UNEB, em Ipiaú. O evento, aberto ao público externo, está realizando inscrições pelo site www.dcht21.uneb.br. 

Os interessados em apresentar trabalhos devem efetivá-las até esta (20). Já quem deseja participar como ouvinte tem até o dia 24 deste mês para se inscrever. 

A programação do seminário, que traz o tema Jorge Amado: a Bahia e suas representações, conta com conferências, mesas-redondas, sessões de comunicação, minicursos, lançamentos de livros e apresentações culturais.

Fonte: Notícias de Ipiauí

Jorge Amado é o homenageado da 6ª edição do 'Soletrando', do 'Caldeirão do Huck'


Neste sábado começou a 6ª edição do 'Soletrando',  competição realizada no programa 'Caldeirão do Huck'. Jorge Amado dá nome ao troféu do evento e terá 10 de seus livros distribuídos às escolas campeãs. 

Os jurados são Sérgio Nogueira, mestre em língua portuguesa, e Tábata Amaral, aceita nas principais universidades norte-americanas com apenas 18 anos. Mais uma das inúmeras homenagens ao nosso grande mestre. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Museu Jorge Amado é apresentado



Depois de nove anos fechada para visitantes, a residência de Jorge Amado, no Rio Vermelho, foi aberta pelos familiares para a apresentação do projeto arquitetônico que a transformará em museu. 

Os convidados assistiram ao vídeo com imagens computadorizadas do trabalho que o arquiteto português Miguel Correia preparou, gratuitamente, para a casa. 

Segundo Jorge Amado Neto, o evento foi o pontapé inicial na busca pela viabilização do projeto. O governador Jaques Wagner declarou que o governo tem interesse em financiá-lo. “Podemos bancar até a totalidade, só dependemos de encontrar o arcabouço institucional que permita a participação do estado”, afirmou. 

A intenção de financiar o projeto foi expressa pelo governador com a mesma firmeza com que ressaltou sua importância para a Bahia. “Será um espaço onde o mundo poderá cultuar não só Jorge e Zélia, mas também a língua portuguesa e a luta contra a opressão e a favor da liberdade que marca a obra do escritor”, disse. 

Entre as possibilidades jurídicas que podem abrir espaço para uma participação mais ativa do estado, Jaques Wagner citou o tombamento (que já foi negado pela família, que acredita ser um empecilho para viabilização o projeto como foi concebido) e a transformação do museu em uma fundação.

“Não é só a questão do projeto arquitetônico, mas também a manutenção do espaço, de forma perene, que temos que pensar”, lembrou, deixando claro, no entanto, que será a vontade da família que guiará a participação do estado.

Segundo Jorge Amado Neto, o próximo passo é conversar com os interessados em alavancar o projeto, sejam eles do governo ou da iniciativa privada. “Não temos nenhuma opinião formada sobre qual a melhor maneira de viabilizá-lo. Vamos conversar, analisar e negociar, pois queremos um museu que sobreviva sem problemas no futuro”, destacou.

Um café da manhã foi oferecido como parte do evento, que contou também com a presença dos candidatos à prefeitura de Salvador ACM Neto, Mario Kertész e Nelson Pelegrino. Ao final, o governador Jaques Wagner entregou presentes para os filhos do escritor, Paloma e João Jorge, e ao neto Jorge Amado Neto, em celebração ao seu centenário. 

Identidade será mantida

O vídeo que apresenta o projeto do arquiteto português Miguel Correia deixou claro que muito da arquitetura atual será mantida. Correia, que, segundo Jorge Amado Neto, é um dos dez maiores arquitetos do mundo, elogiou o espaço que tem a assinatura do arquiteto Gilberbet Chaves, e confirmou que manterá muito da estrutura atual. 

“É antes de tudo uma reforma, pois vamos manter a estrutura básica desse lugar que já é lindo e mágico”,
A maior transformação ocorrerá no jardim. As árvores plantadas pelo casal Jorge e Zélia vão sombrear caramanchões, entre outras estruturas, que comporão um espaço de convivência para os visitantes do museu. 

Dentro da casa, as maiores mudanças serão no sentido de adaptar o espaço para comportar o acervo que permitirá ao público uma maior proximidade com o escritor. 

O arquiteto se declarou “extremamente feliz” por está doando seu talento para o projeto da família Amado, da qual afirma se sentir parte. Correia também demonstrou confiança na viabilidade econômica de um museu para a memória de “um dos maiores escritores da língua portuguesa”. 

“Será o mesmo sucesso da casa de Saramago em Portugal”, acrescentou.

Segundo Paloma Amado, filha do escritor baiano, a ideia de transformar a casa em museu nasceu de um misto de clamor popular com o desejo de membros da família. Ela conta que a gêneses da ideia se deu na última vez em que a casa foi aberta ao público, nove anos atrás. 

“O povo queria ter acesso à casa, então, decidimos fazer um café da manhã durante os dias 9 e 10 de agosto de 2003. A Fundação Casa de Jorge Amado organizou e disponibilizou os convites, e o que aconteceu acabou por mudar a história da casa”, conta. 

Ela relata que centenas de pessoas disputaram os convites. “Mais de 600 pessoas conseguiram entrar. Foi lindo, no mesmo dia víamos na casa vendedores ambulantes e autoridades internacionais buscando informações sobre meu pai e sua obra”.  Com isso, conta Paloma, Zelia Gattai, que era reticente em não deixar o local onde viveu com o marido desde a década de 1960, resolveu se mudar e abrir o espaço para os admiradores do casal.

Sem apoio, projeto parou

Paloma narra, no entanto, que a partir daí o projeto de transformar a casa em um espaço de visitação parou na falta de apoio. Com isso, a casa ficou fechada por anos, acumulando problemas em sua estrutura. 

“Tivemos que leiloar um acervo que meu pai mantinha no Rio de Janeiro para fazer a reforma. O leilão, realizado há três anos, levantou R$ 2 milhões, o que permitiu que a casa tivesse a aparência que tem hoje”, conta.

De acordo com Paloma, a maior parte do dinheiro foi investida em uma obra cujo resultado não é visível. “As raízes das arvores estavam rompendo o concreto em vários pontos da casa. Tivemos que construir um muro subterrâneo, ao redor de toda ela para que a estrutura não fosse atingida, nem as árvores arrancadas”, relata.

A beleza da casa que foi aberta para a apresentação do projeto arquitetônico do museu chamou a atenção de todos os presentes e principalmente de um grande amigo do escritor que não escondeu a emoção em ver o espaço recuperado. 

“Fico muito feliz de ver a casa assim. Lembro da última vez que estive aqui. A casa estava em um estado deplorável. Lembro da tristeza que senti ao perceber que a Bahia não estava dando o valor que Jorge Amado merece”, disse o artista plástico Mario Cravo.

*Matéria do repórter Carlos Vianna Junior, publicada originalmente na versão impressa da Tribuna da Bahia

Obscura adaptação de "Capitães da Areia" para o cinema marcou russos



Se os livros de Jorge Amado abriram um "novo mundo" para os leitores soviéticos , uma obscura adaptação de Capitães da Areia se encarregou de sedimentar de vez o encanto da Bahia no imaginário dos sofridos comunistas. O filme americano "The Sandpit Generals" (nome que traduzido ao pé da letra seria "Generais do Tanque de Areia"), dirigido por Hal Bartlett e finalizado em 1971, trouxe - pela primeira vez ao país - imagem, movimento, cores e som à uma história do autor baiano.

Inteiramente filmado em Salvador e arredores em 1969 e estrelado por atores americanos (talvez os mais conhecidos sejam John Rubinstein, ator de séries de TV e filho do pianista Arthur Rubinstein, e Butch Patrick, o "Eddie" da família Monstro) e brasileiros (entre eles Guilherme Lamounier, Eliana Pittman, Marisa Urban), o longa-metragem concorreu ao Festival Internacional de Cinema de Moscou em 1971.

Leia também:  Os melhores livros, filmes e programas de TV de Jorge Amado

O livro não havia chegado ainda à URSS, portanto os leitores de Amado estavam conhecendo, também pela primeira vez, a história de bravura e solidariedade de Pedro Bala e sua turma de garotos abandonados da Salvador dos anos 30.

Segundo a pesquisadora Elena Beliakova, da Universidade Estatal de Tcherepovets, quando chegou aos cinemas soviéticos, em 1973, o filme foi assistido por cerca de 43 milhões de pessoas e deixou profundas marcas em toda uma geração de russos. Para a própria filóloga, que diz ter assistido ao filme "umas 200 vezas", trata-se do "maior filme de todos os tempos e de todos os países".

E ela não está só. No site de cinema IMDB, outros russos tecem loas ao filme e recordam o seu impacto. É "o filme americano de maior sucesso na União Soviética nos anos 70 e 80", diz 'yonic', hoje morando em Israel. "Vi o filme duas vezes em meados dos anos 70 e ainda não consigo me conformar de quão fascinante, comovente e profundo ele foi. O final e o clima todo do filme me perseguem até hoje".

'Galina', hoje vivendo nos Estados Unidos, recorda quando esteve no cinema "vivendo, amando, torcendo, odiando, rezando, lutando, sofrendo, tentando sobreviver e morrer juntos com os 'capitães da areia'". Para ela, apesar de ter sido feito décadas antes, "Sandpit Generals" "é mais forte, comovente e pungente" do que "Cidade de Deus".

'Hubtum' de Montreal, no Canadá, diz que o "doce e triste charme dessa obra-prima vem me assombrar desde minha infância".

Beliakova e todos os comentaristas do IMDB são unânimes em apontar um elemento crucial para o encanto de "Sandpit Generals": a trilha sonora, de Dorival Caymmi. A "Canção da Partida" ("minha jangada vai sair pro mar/vou trabalhar meu bem querer..."), interpretada por Caymmi, a música-tema do filme, foi praticamente adotada pelos russos.

Traduzida para o russo e sob o título de "Capitães da Areia", com uma letra que mais parece um manifesto dos garotos de rua do filme, a canção entrou para o cancioneiro popular russo, foi gravada inúmeras vezes e, segundo colegas da Seção Russa do BBC World Service, é conhecida no país inteiro.

No YouTube é possível encontrar dezenas (talvez centenas) de clipes de cidadãos russos cantando e/ou tocando a canção. O jornalista russo Alexander Kan, da BBC, chamou a atenção da reportagem para uma cena-chave de um conhecido filme de gângster russo "pós-perestroika" feito nos anos 90, "Brigada".

Em um casamento no estilo de "O Poderoso Chefão", a música é tocada pela orquestra a pedido de um dos presentes em homenagem ao noivo e a memórias compartilhadas do passado, o que reforça a impressão de que a canção de Caymmi, por sua ligação com o sucesso do filme, é uma espécie de símbolo da passagem da adolescência para o mundo adulto sob o comunismo da era Brejnev.

Leia também: Centenário de Amado relembra autor que "melhor escreveu um país"

A história do imenso impacto das canções praieiras de Caymmi na gelada e cinzenta URSS já é boa, mas melhor ainda é a ironia de um filme tão marcante no país ter sido uma produção norte-americana financiada por uma famosa atriz da era de ouro de Hollywood, Rhonda Fleming.

Rhonda era casada, na época, com o cineasta Hall Bartlett e quis bancar o projeto do marido. "The Sandpit Generals" foi um grande fracasso nos Estados Unidos, onde foi taxado de "socialista" e "hippie" e acabou sendo, mais tarde, cortado, remontado e relançado sob os títulos "The Wild Pack" e "The Defiant".

No Brasil, ele foi proibido pelo regime militar - e, verdade seja dita, mesmo se tivesse sido liberado, fica difícil imaginar o filme tendo o mesmo sucesso que teve na Rússia, ainda mais vendo vários atores loiros e olhos azuis interpretando meninos de rua de Salvador.

"O filme só foi exibido uma única vez, para a equipe técnica", contou à BBC Brasil o músico e produtor musical André Lamounier, irmão do cantor e compositor Guilherme Lamounier, o 'Gato' do filme. "Foi uma sessão privada no estúdio Condor, no Rio de Janeiro, para umas cinquenta pessoas, em 1971 ou 1972, por aí".

O americano Kent Lane, que fez 'Pedro Bala', o papel principal do filme, e é filho de Rhonda Fleming - conhecida como "rainha do Technicolor" pela sua beleza e flamejantes cabelos ruivos - contou à BBC que, após as filmagens, a produção foi "por água abaixo".

"Quando voltamos aos Estados Unidos, Hall (que mais tarde faria outro clássico hippie, 'Fernão Capelo Gaivota') e Rhonda se divorciaram, o filme virou caso de litígio, nunca foi devidamente lançado, não podia nem citá-lo no meu currículo", contou Kent, que pouco depois desistiu da carreira cinematográfica e hoje vive em Palm Springs, na Flórida, "jogando tênis".

Ele diz ter lembranças mistas das filmagens, boas ("todos os brasileiros eram carinhosos") e ruins (o trauma da filmagem de uma ritual de candomblé, em que "decapitaram um bode vivo e passaram o sangue dele no meu peito") e que, até coisa de poucos anos atrás, não tinha a mínima ideia sequer de que o filme tinha sido lançado na versão original.

"Fiquei sabendo quando uma mulher de uma universidade russa me procurou. Ela ficou chocada quando lhe disse que não sabia do sucesso do filme na Rússia". Surpresa semelhante teve a atriz e cantora Eliana Pittman, que vive no Rio de Janeiro, onde foi procurada por uma "amiga russa da filha de Luis Carlos Prestes (líder comunista brasileiro, que viveu um bom tempo no exílio na URSS), que quis me conhecer por causa do filme".

"Sandpit Generals" teve também o mérito de abrir o apetite dos russos para outras adaptações de obras de Jorge Amado pelo cinema. "Dona Flor e seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, teve um sucesso retumbante no país e foi um dos filmes mais "picantes" já exibidos nos cinemas soviéticos.

O jornalista russo Alexander Kan, de 58 anos, lembra bem da chegada de "Dona Flor": "A censura com certeza impôs vários cortes", diz ele. "Mesmo assim , o que ficou no filme era de uma sensualidade fora do comum. Causou um grande auê. Os russo nunca tinham visto algo de natureza tão frívola e sexy."

Fonte: Site Último Segundo IG

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Jorge Amado, o brasileiro mais próximo de ganhar o Nobel



O Brasil tem uma inevitável carência acadêmica e cultural: o prêmio Nobel. Alguns dos nossos vizinhos, como Chile e Argentina, conquistaram alguns desses prêmios, inclusive na literatura — uma das áreas em que mais tivemos chances.

Entre nossos candidatos mais fortes, o que mais chegou perto foi Jorge Amado. Entre os anos 1970 e 1980, no auge da sua fama internacional, seu nome foi cogitado várias vezes pela Academia Sueca, a entidade responsável pela escolha. Sabe-se, de maneira não oficial, que, em 1988, Jorge Amado teria perdido o prêmio, por apenas dois votos, para Nagib Mafous, o primeiro escritor de língua árabe a receber o Nobel.

Mas a verdade é que todas as informações relacionadas com o prêmio são obscuras — e a Academia Sueca, encarregada pela Fundação Nobel a escolher o premiado, não faz questão nenhuma de transparência. Os critérios que adota são apenas imaginados, nunca confirmados.

Jorge Amado foi uma das maiores referências literárias da América Latina durante aquela década. Mas sofria duas restrições. A primeira delas foi escrever em português — muito embora tenha sido um dos autores mais traduzidos do mundo, em mais de 36 idiomas. A segunda, foi ser muito popular, um verdadeiro fenômeno de vendas no Brasil e fora dele — a Academia sempre teve uma queda por escritores mais estilistas e obscuros. “Que outro prêmio pode querer um escritor cuja obra é lida em mais de 30 idiomas?”, dizia ele, dando de ombros por ter sido preterido. “Prêmios são uma besteira. A pior coisa para um escritor é ficar correndo atrás de consegui-los”.

Mas a verdade é que ele teria se sentido muito honrado e feliz se tivesse recebido o Nobel — o primeiro escritor brasileiro a receber essa honra.

Fonte: Site Revista Exame

Livros de Amado abriram 'novo mundo' para leitores no Leste comunista



"Como um tornado tropical, a vida desconhecida e misteriosa de um distante Novo Mundo caiu sobre nós, tirando o nosso fôlego com suas tempestades e paixões".

Com essas palavras, a filóloga e pesquisadora de literatura latino-americana da antiga União Soviética Vera Kuteishchikova (URSS) saudou, em um artigo no influente semanário de cultura Literaturnaia Gazeta, o 70º aniversário de Jorge Amado, em 1982.

A frase dá uma boa ideia do impacto da obra do escritor baiano - cujo centenário de nascimento está sendo celebrado nesta sexta-feira (10)  - não apenas na Rússia, mas também em outros países do Leste Europeu nos tempos do comunismo, um fenômeno talvez pouco conhecido do público brasileiro.

Leia também: Os melhores livros, filmes e programas de TV de Jorge Amado

Vários livros de Amado foram traduzidos e publicados nos países comunistas. Na Rússia, segundo informações levantadas pela pesquisadora e tradutora Elena Beliakova, da Universidade Estatal Cherepovets, o primeiro foi "São Jorge de Ilhéus", lançado pela editora Literatura Estrangeira em 1948, cinco anos antes da morte de Stalin.

Mensagem

Em um primeiro momento, como sugere Beliakova no ensaio Percepções de Jorge Amado na Rússia, a preocupação dos burocratas que decidiam, em nome do Estado, o que poderia ou não ser distribuído ao ávido público leitor soviético em pleno auge do stalinismo, era com a "mensagem".

Fonte: Último Segundo IG

domingo, 12 de agosto de 2012

Frase do dia


Projeto prevê memorial na casa de Jorge Amado



Frente da casa em que viveu Jorge Amado
Comunista militante, Jorge Amado (1912-2001), que completaria cem anos nesta sexta (10), ria ao dizer que compraria a casa em Salvador com o "dinheiro do imperialismo americano", fruto da venda dos direitos de seu romance "Gabriela, Cravo e Canela" ao estúdio hollywoodiano MGM.

Agora, pouco mais de 50 anos após a compra do imóvel, familiares do autor baiano buscam meios de transformá-lo em um memorial.

Após sua morte, a casa chegou a enfrentar um processo avançado de deterioração (que a família do escritor diz ter sanado recentemente).

Orçado em R$ 2,1 milhões, o projeto de memorial feito por um arquiteto português, ao qual a Folha teve acesso, será apresentado hoje por familiares de Amado em um evento na casa número 33 da rua Alagoinhas, no bairro Rio Vermelho, em Salvador.

"A primeira função da casa é dar às pessoas que estimam Jorge Amado uma visão diferente da que têm apenas pela leitura de seus livros. O memorial permite ter uma ideia da dimensão do homem além do escritor", diz João Jorge Amado, 65, filho de Jorge e Zélia Gattai (1916-2008).

Em busca dos recursos necessários para o projeto, a família procura investidores interessados numa PPP (Parceria Público-Privada) e espera apoio do poder público.

Em seguida, o objetivo é que o memorial se torne sustentável com a instalação de uma loja com produtos relacionados ao escritor.

O projeto segue o modelo adotado em outras partes do mundo, como no Chile, onde existem três de casas do poeta Pablo Neruda (1904-73), ou no México, que abriga quatro memoriais dedicados ao pintor Diego Rivera (1886-1957).

TOMBAMENTO

Entre as adaptações necessárias para a Casa do Rio Vermelho (como ficou conhecido o imóvel) tornar-se memorial estão vias de acesso a pessoas com dificuldade de locomoção, banheiros e sistema de segurança.

São essas e outras mudanças estruturais que estão no centro da discussão sobre o processo de tombamento da casa, iniciado em 2005.

Além de incentivos fiscais, um imóvel tombado pode ter recursos captados com os setores público e privado.

Zélia tinha o sonho de transformar em memorial a casa onde receberam hóspedes e visitantes como o artista plástico Di Cavalcanti (1897-1976), o diretor Roman Polanski, o escritor português José Saramago (1922-2010) e os poetas Vinicius de Moraes (1913-80) e Pablo Neruda.

O pedido de tombamento foi negado em 2006 pelo Conselho Estadual de Cultura da Bahia.

Para o órgão, as adaptações estruturais previstas no projeto do memorial e a falta de preservação de "características constantes que o hajam singularizado" inviabilizam o tombamento.

Em 2008, os herdeiros do casal desistiram do processo.

"Se a casa estivesse tombada, não estaria no estado que está hoje [conservado com recursos próprios, segundo a família]", diz João.

"Para cada intervenção [no bem tombado], tem de se buscar órgãos para autorização. Depois, mandam um grupo de arquitetos que fazem estudos para liberação das obras. Você fica completamente manietado", explica ele.

CASA DO RIO VERMELHO

Disposto a deixar o Rio de Janeiro por causa dos problemas ligados a grandes cidades (como a violência), o casal Jorge Amado e Zélia Gattai passou a procurar imóveis em Salvador.

Em outubro de 1961, compraram a casa que pertencia a um pianista suíço, que a vendeu "com muita pena", segundo relato de Zélia no livro "A Casa do Rio Vermelho", escrito em 1998.

"Essa não era, de jeito nenhum, a casa de nossos sonhos. Grande e desconfortável, ela necessitava de reformas, de muitas reformas para que ficasse a nosso gosto."

O projeto feito pelo jovem arquiteto Gilberbet Chaves recebeu contribuições de amigos do casal como Carybé (1911-1997), Mario Cravo Júnior e Lina Bo Bardi (1914-92).

Além das visitas ilustres, de azulejos pintados pelo espanhol Pablo Picasso (1881-1973) e de obras de diversos artistas espalhadas pela casa, o local é lembrado também por ter sido usado pelo casal como espaço para produzir suas obras literárias.

"Jorge escreveu 'Dona Flor e Seus Dois Maridos' no terraço aberto. O gato Nacib, um siamês que o acompanhava por toda a parte, era seu peso de papel. Nacib dormia sobre as folhas dos originais, poderia ventar à vontade que elas não voavam", conta Zélia, em seu livro de memórias.

Ela relata que, certa vez, encontrou o marido parado diante da máquina de escrever e decidiu questioná-lo sobre algum possível defeito.

"Nenhum problema. Preciso consultar uma página e estou com pena de acordar Nacib, que dorme tão bem", respondeu.

Fonte: Site da Folha

sábado, 11 de agosto de 2012

Centenário de Jorge Amado é destaque na programação da TV Brasil




Autor de obras-primas da literatura brasileira, Jorge Amado completaria 100 anos nesta sexta-feira (10). Para homenagear o ilustre baiano, o programa Paratodos, da TV Brasil, deste sábado (11), às 19:30h, apresenta os encantos da Bahia, que sempre inspirou o escritor. Já o Caminhos da Reportagem, da última quinta-feira (09), exibido pela mesma emissora, desvendou as facetas do autor de Mar Morto, Capitães da Areia e Tenda dos Milagres dentre dezenas de outros livros. Os vídeos deste programa especial sobre o ilustre baiano podem ser acessados aqui

Referência na literatura nacional, Jorge Amado é o autor que teve mais obras adaptadas para a televisão brasileira. No rol dos sucessos estão novelas do porte de Tieta do Agreste e Gabriela, Cravo e Canela, além de minisséries como Teresa Batista e Dona Flor e Seus Dois Maridos. 

O cinema e o teatro também conheceram dezenas de adaptações da produção literária de Jorge Amado. Ele é um dos autores brasileiros mais publicados no mundo e sua obra já foi traduzida para 49 idiomas em 55 países.

O Caminhos da Reportagem mostrou que Jorge Amado não tinha apenas uma, mas várias regras, manias, fases, horários e lugares para escrever. A capacidade de observar o ser humano permitia ao escritor desenvolver uma série de personagens a partir do cotidiano: do pescador ao artista, do amigo filósofo à dona do bordel que frequentava quando moleque, qualquer pessoa que passasse pelo campo de interesse de Jorge Amado corria o risco de acabar nas páginas de seus livros. Ele próprio era um personagem que se apaixonava pelos protagonistas, ria deles e para eles.

O programa jornalístico trouxe ainda curiosas histórias do escritor percorrendo momentos importantes de sua vida como a inspiração em Ilhéus, as desilusões com o comunismo, as diversões em viagens à Europa e o amor por Zélia Gattai. Romancista de renome mundial, Jorge Amado gostava, acima de tudo, de contar uma boa história.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Frase do dia


Jorge Amado perde espaço entre jovens no exterior





O centenário de Jorge Amado é também a celebração de um feito raro no Brasil e até mesmo em países mais afeitos à leitura: a conjunção entre qualidade literária e sucesso de público.

O mais popular escritor brasileiro completaria cem anos hoje. A data será celebrada com exposições, peças, shows e lançamentos de livros.

Morto há 11 anos, Amado é um dos campeões de vendas da editora Companhia das Letras. Apenas "Capitães da Areia", relançado em 2009, vendeu mais de 640 mil exemplares até agora.

Em sabatina realizada na Folha na semana passada, o escritor Cristovão Tezza disse que Amado foi a maior "referência mundial da literatura brasileira".

Hoje, porém, o autor parece ser um nome menos influente internacionalmente.

Pesquisadores estrangeiros ouvidos pela Folha dizem que Amado continua o símbolo da literatura brasileira no exterior, mas ficou restrito aos círculos acadêmicos e pouco cativa novos leitores e escritores.

Uma pesquisa do programa Conexões Itaú Cultural sobre a presença da literatura brasileira no exterior, realizada com 231 pesquisadores, aponta que Amado é hoje o quarto autor brasileiro mais estudado no mundo.

Os três primeiros são, respectivamente, Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa.

"Amado foi um contador de histórias sem par, mas acho que seus textos são muito politicamente incorretos, principalmente por causa da posição da mulher, para ter influência entre os jovens", afirma David Jackson, professor de literatura luso-brasileira em Yale (EUA).

"Hoje, nos EUA, raramente um leitor comum vai às livrarias atrás de um livro dele", diz a tradutora brasileira Marly D´Amaro Tooge.

Ela lançou neste ano o livro "Traduzindo o Brazil - O País Mestiço de Jorge Amado" (ed. Humanitas; R$ 35), sobre a presença do baiano em solo norte-americano.

Em 1962, no auge do sucesso de Amado por lá, "Gabriela, Cravo e Canela" chegou a ficar por quase um ano na lista dos mais vendidos do jornal "The New York Times".

"O livro teve uma grande repercussão por se associar à imagem do Brasil que havia sido criada: a de um país tropical e alegre. O lado social da história passou batido", afirma Tooge.

O primeiro livro de Amado lançado nos EUA foi "Terras do sem Fim", em 1945. Com uma trama mais explicitamente política, foi ignorado pelos leitores. "Ele só teve sucesso por lá quando deixou a militância comunista", diz.

Se atuação política foi um entrave para a difusão dos livros nos EUA, nos países então comunistas Amado teve ótima acolhida.

Na Hungria, conta o professor de literatura Pál Ferenc, o baiano foi abundantemente editado no país depois da Segunda Guerra.

"Hoje temos um florescimento secundário de Amado. Infelizmente, a literatura brasileira, além de Paulo Coelho, não consegue mais aparecer solidamente aqui."

Nos anos 1960 e 1970, o pai de "Gabriela" teve também forte impacto nos países africanos que lutavam pela independência. Já as novas gerações, diz o professor moçambicano Nataniel Ngomane, "pouco sabem de Amado".

"Novos escritores estão mais propensos a beber um Jorge Luis Borges a um Amado. Preocupam-se mais em apurar as suas técnicas de escrita com temas atuais."

Fonte: Site da Folha