A edição do mês de agosto da revista Blimunda, feita pela Fundação José Saramago, traz uma grande reportagem sobre o centenário de Jorge Amado.
Confira a revista na íntegra acessando o link.
Não se comemora o centenário de um escritor, celebram-se os cem anos de vida de um ser humano que a qualquer momento pode aparecer numa esquina, com uma camisa branca, ou talvez de flores, com um gesto tão aberto que nele podem continuar a refugiar-se gerações de pessoas, com uma incorruptível amizade, a mesma que o fez cruzar um século sempre acompanhado, tão confortável na sua pele como na sua relação com outros, sempre seus semelhantes. Porque Jorge Amado era dessa estirpe “graças a Deus”, como diria Zélia Gattai quando se definiu a si mesma como anarquista por influência divina.
Jorge Amado e José Saramago poderiam ter tido uma relação mais dilatada no tempo. Teria bastado que Saramago desse o pequeno passo que o aproximaria do grande escritor brasileiro num tempo em que o mundo era jovem, mas o sentido do respeito devido ao mestre levou a que o português seguisse o seu caminho e esperasse que um dia, talvez, acontecesse o que tivesse de acontecer. E assim foi. Saramago não se mostrou perante Jorge Amado de mãos vazias, quando chegou à sua presença e amizade levava – simbolicamente, claro – uns quantos livros que justificavam que ambos se encontrassem e se tratassem por tu. Puderam fazê-lo, fizeram-no e profundamente, porque se a relação entre o escritor da Bahía e o do Ribatejo não abarcou mais de uma década, foi suficientemente intensa para que se contassem medos e projetos, sonhos por realizar, aventuras que ficariam por viver e outras bebidas até à última gota. Os dois escritores conversaram sobre política e paixões, dificuldades e logros, por vezes com picardia, por vezes com uma seriedade quase doutoral que rematavam com uma gargalhada, e daquelas conversas ficam ecos que alguns amigos de vez em quando recompõem aos pedaços. Que pena que a grande Zelia Gattai não esteja aqui para documentar, com a sua prosa fresca e lúcida, aqueles encontros na Bahía, em Paris, Roma, Madrid e Lisboa, aquelas viagens pela Galiza ou pelo norte de Itália, aqueles projetos de contruir pontes sobre rios e mares, sobre oceanos, talvez entre planetas se ali existir o cheiro a canela, que é o cheiro da vida que eles tanto amaram, os três, Jorge e Zélia, José.
Começa agora o ano de Brasil-Portugal. A Fundação José Saramago entra em pleno nesta aproximação porque nasceu também para isso. Celebrar os anos de Jorge Amado no seu dia, no seu mês, é o primeiro passo. Depois virão outras atividades em que se irá contando que os seres humanos não passam, ficam, são imortais enquanto haja quem os recorde e festeje. Com dignidade, lucidez e emoção.
No enterro de José Saramago recordou-se Jorge Amado, o momento em que o avião em que o casal Amado-Gattai viajava teve de fazer uma aterragem de emergência. Então, Jorge, que tinha pânico de voar, pôs-se a pedir aos gritos o jornal, ante o espanto de Zelia: “Mas Jorge, vamos morrer e tu pões-te a pedir o jornal?” “Queres que morra sem saber o que passa no mundo?”, foi a resposta do marido. Pois se no enterro de José Saramago se recordou esse facto para dizer que no mundo, segundo os jornais, o que se havia passado era que tinha morrido um homem bom, um imprescindível, hoje pode acrescentar-se que os meios de comunicação, as livrarias, as bibliotecas contam nestes dias de agosto que um grande escritor está em festa de aniversário e nós com ele. Que não se foi, por isso, contrariando o jornal mexicano La Jornada que escrveu em manchete quando o escritor do Brasil morreu “Adiós, Amado”, hoje, na Fundação José Saramago o que dizemos, e connosco os que visitam a exposição e leem os seus livros é “Olá, Amado”.
Fonte: Site Fundação José Saramago
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