Conhecido mundialmente pelos romances "Gabriela, Cravo e Canela" (1958) e "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1966), Jorge Amado consagrou-se pelo seu estilo simples, com temáticas e personagens populares que traziam à tona a sensualidade da mulher baiana e as injustiças sociais da época.
No Brasil, o escritor é visto como alguém que foi capaz de "reinventar" o conceito de "brasilidade" e do papel do mestiço na formação da cultura nacional.
Filho de um fazendeiro de cacau do sul da Baía, Jorge Amado estudou em bons colégios, tendo-se graduado em direito, em 1935, na Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O seu primeiro romance, "O país do Carnaval", foi lançado quando tinha apenas 18 anos, em 1931, mesmo ano em que se casou com a sua primeira esposa, Matilde Garcia Rosa.
Apesar da ênfase dada ao teor erótico da sua obra, Jorge Amado foi desde o início ligado à política, tendo sido membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Vários dos seus livros, com destaque para "Capitães de Areia" (1937), foram queimados em Salvador, por serem considerados "revolucionários". Na altura, o Brasil vivia sobre o autoritarismo do Estado Novo (1937-1945), instaurado por Getúlio Vargas.
Considerado então como um autor "subversivo", Jorge Amado partiu para um autoexílio na América Latina, tendo vivido no Uruguai e na Argentina, de onde lançou, em 1942, "O Cavalheiro da Esperança", biografia do líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes.
Na volta, em 1944, separa-se da primeira mulher, casando-se poucos anos depois com a também escritora Zélia Gattai, com quem ficou até ao final da sua vida.
Em 1945, o escritor foi eleito membro da Assembleia Nacional Constituinte, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), tendo sido o responsável por criar a lei que garante, ainda hoje, a liberdade de culto religioso no Brasil.
A medida visava garantir a proteção, em especial, das crenças herdadas do povo africano, como o candomblé e a umbanda, muito fortes na região da Baía.
O próprio escritor era simpatizante do candomblé, tendo recebido o posto de honra da religião conhecido como "Obá de Xangô", do qual dizia ter muito orgulho, embora se declarasse marxista e ateu.
Quando o registo do PCB é cancelado e Jorge Amado perde o seu mandato, em 1948, o escritor parte novamente para um autoexílio, desta vez em Paris e Praga, período no qual tem oportunidade de conhecer figuras de renome internacional como Pablo Picasso e Jean-Paul Sartre.
De volta ao Brasil, em meados da década de 1950, afasta-se definitivamente da política, passando a dedicar-se integralmente à literatura.
Graças à autenticidade da sua obra - traduzida para 49 idiomas e comercializada em 55 países - Jorge Amado é um dos poucos escritores que conseguiu manter-se apenas com direitos de autor. Entre os autores brasileiros ele perde, em número de vendas, apenas para Paulo Coelho.
"Gabriela", lançado em 1958, vendeu logo nos primeiros meses mais de 50 mil exemplares, enquanto a primeira edição de "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de 1966, já saiu com 75 mil. Nesse mesmo ano, uma sessão de autógrafos realizada em Portugal reuniu mais de 100 mil pessoas.
Vencedor do Prémio Camões de Literatura de 1995, Jorge Amado coleciona ainda uma série de títulos, entre eles dois Jabuti, em 1959 e 1995, e o Prémio Estaline da Paz, conferido pela União Soviética, em 1951.
Eleito como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1961, o baiano passou a ocupar a cadeira número 23, cujo patrono é o escritor José de Alencar. O mesmo assento foi ocupado pela sua viúva, Zélia Gattai, após a sua morte.
Jorge Amado faleceu em 2001, aos 88 anos de idade, após uma paragem cardiorrespiratória.
Escritor ajudou a construir a imagem do povo brasileiro
Mais do que um romancista, o escritor baiano Jorge Amado (1912-2001), cujo centenário do nascimento será celebrado na sexta-feira, foi um pensador do Brasil e do povo brasileiro.
"O Brasil sempre foi carente de uma filosofia própria e Jorge Amado criou as principais chaves para entender o Brasil e o seu povo", explica o professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Muniz Sodré.
Filho de um fazendeiro de cacau, Jorge Amado conviveu desde cedo com a forte presença africana no estado da Baía, no nordeste brasileiro, cenário que influenciaria todas as suas futuras histórias.
Grande parte dos seus protagonistas são típicos representantes do povo, que revelam tradições e crenças até então pouco conhecidos pela classe média brasileira, em especial o culto afro-brasileiro conhecido como candomblé.
"Os cultos afro-brasileiros como o candomblé surgem no cenário baiano para agrupar os africanos nessa situação difícil da diáspora, do sofrimento da escravidão. É um elemento que conjuga todas as várias etnias africanas [levadas para o Brasil] numa mesma tradição, que usa como estratégia da ‘família de santo', não biológica", explica Sodré.
Com as inúmeras novelas de Jorge Amado - muitas das quais protagonizadas por negros e mulatos - as crenças e tradições dos afrodescendentes foram evidenciadas como um dos paradigmas da criação do povo brasileiro, em contraposição com a cultura europeia, até então ensinada como a principal influência.
O próprio Governo brasileiro, ainda na década de 1920, entendia a mestiçagem como um fenómeno formador da sociedade nacional, mais como forma de "branqueamento" do negro, do que valorização da cultura negra.
Entre as principais caraterísticas desse paradigma afro-brasileiro, evidenciado na obra de Amado, Sodré destaca a importância do "presente" - por oposição ao futuro promissor no paraíso, prometido pela religião católica - de relações interpessoais concretas - fortes laços de amizade, vizinhança e parentesco; e da alegria face ao real.
"Não diria que o candomblé é a religião do amor, como é o catolicismo. É um culto da alegria, que não tem a ver com dar risadas, mas com aceitar o real como ele é", sintetiza Sodré.
Para o professor, toda essa crença está também inequivocamente ligada à política.
"Jorge Amado dá continuidade, através da literatura, à luta afirmativa de um povo e confere soberania à raça negra no Brasil", completa o estudioso.
Membro ativo do Partido Comunista Brasileiro (PCB) até meados da década de 1950, Jorge Amado dizia-se materialista e ateu. Era, no entanto, grande conhecer da religiosidade da população negra na Baía e foi o responsável, enquanto deputado federal, por criar a lei, ainda hoje em vigor, que garante o direito à liberdade de culto em todo o território nacional.
Bienal do Livro, exposição e festival assinalam centenário do nascimento
Na semana em que completaria o seu centenário de nascimento, o escritor brasileiro Jorge Amado será homenageado na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, num festival e numa exposição na Baía.
Jorge Amado, um dos mais famosos escritores brasileiros, faria cem anos de vida na próxima sexta-feira. O autor ficou conhecido por livros que retrataram a "alma" e a miscigenação na Baía, como "Gabriela Cravo e Canela", "Dona Flor e Seus Dois Maridos" e "Capitães da Areia".
Na Bienal do Livro de São Paulo, que começa na próxima quinta-feira, o centenário de Amado será celebrado com leituras de textos seus, conferências sobre as suas histórias que foram adaptadas ao cinema e uma apresentação sobre a cozinha baiana que o escritor retratou na sua obra.
Além de Jorge Amado, o evento também irá homenagear o escritor brasileiro Nelson Rodrigues, cujo centenário é comemorado no fim de agosto, e a Semana de Arte Moderna de São Paulo, de 1922.
Na cidade em que Amado passou a infância, Ilhéus, na Baía, um festival começou no último sábado e prolonga-se até domingo. Saraus, conferências, peças teatrais, projeção de filmes e concertos de música brasileira compõem a programação para a população local.
Entre os cantores e músicos que vão se apresentar no festival, chamado "Amar Amado", destacam-se Caetano Veloso, que cantará na sexta-feira, Moraes Moreira e a Família Caymmi, no sábado.
Ainda para assinalar o centenário do nascimento do autor, o Museu de Arte Moderna (MAM) da Baía recebe a exposição "Jorge Amado e Universal" também a partir de sexta-feira. A mostra, que esteve até ao fim de julho no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, reuniu mais de 130 mil pessoas em cerca de dois meses, segundo os organizadores.
A exposição fica patente até 14 de outubro na Baía, com fotografias, objetos do autor, folhetos de cordel, filmes e imagens, a maioria deles inéditos, afirmam os organizadores.
A mostra será dividida em módulos diferentes, dedicados a um aspeto da vida do autor. O primeiro homenageia as suas personagens, o segundo apresenta a faceta política do autor e o terceiro discute a miscigenação na sua obra e o sincretismo religioso.
O quarto módulo da exposição mostra a ‘malandragem’ e a sensualidade de Amado e o quinto fecha a mostra com uma apresentação da Baía, onde o autor viveu, e abre espaço para depoimentos de amigos e críticos.
Fonte: Diário Digital/Lusa
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