quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Depoimento de Myriam Fraga sobre Jorge Amado





Conheci Jorge Amado em 1964, pouco tempo depois de ter publicado meu primeiro livro, que na verdade era apenas uma modesta plaquette, com onze poemas sobre o mar, obviamente intitulada Marinhas. Era minha primeira incursão no reino das letras, sem contar alguns poemas publicados em suplementos culturais e em revistas literárias. A publicação, se era pequena no conteúdo, em compensação vinha com o selo Edições Macunaíma, de grande prestígio na época, e enriquecida com gravuras de Calasans Neto, também editor e programador visual. 

Nunca soube ao certo como o livro chegou às mãos de Jorge Amado, provavelmente por conta de Calasans Neto; ou teria sido através de Zitelmann de Oliva, prestigioso intelectual, escritor e jornalista, um dos donos da gráfica que imprimira o trabalho? Ou talvez Odorico Tavares, o todo-poderoso diretor do Diário de Notícias, que mantinha uma coluna literária intitulada “Rosa dos Ventos”, na qual elogiara a estreante. 

O encontro se deu num jantar em casa de amigos, onde estavam presentes vários artistas e intelectuais. Ao ser apresentada ao grande escritor, apesar da minha timidez, não pude deixar de observar, com surpresa, que ele também parecia embaraçado quando disse: “Ah! É você… Gostei muito de seu livro, li para Zélia e ela também gostou bastante”. E, em seguida, para aumentar ainda mais o meu espanto, acrescentou, quase como se pedisse desculpas: “Acho que você deveria enviar alguns exemplares para outros poetas que irão também apreciar o seu trabalho. Se permitir posso lhe mandar uns endereços amanhã, pelo meu motorista”. 

Embora lisonjeada, não fiz muita fé no oferecimento. Um homem tão importante, pensei comigo mesma, com tantos compromissos, vai lá se lembrar de uma aprendiz de poeta? 

Bem se vê que eu não conhecia Jorge Amado. No dia seguinte lá estava Aurélio, o motorista, com a encomenda: um envelope pardo com uma folha de papel com o timbre da Academia Brasileira de Letras, onde ele escrevera: “Aí vão os endereços; acrescentei, também, alguns cartões que você, se achar conveniente, poderá enviar juntamente com o livro autografado”.


Assombrada, li o nome dos destinatários: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Stella Leonardos… Em cada cartão ele escrevera uma apresentação carinhosa. 

É claro que enviei tudo no menor tempo possível, e graças a esse ato de generosidade, pouco tempo depois tive a satisfação de receber mensagens desses grandes escritores, santos da minha devoção, que até aquele momento pareciam habitar num Olimpo inalcançável. 

Não conto isso para me vangloriar, mas apenas como exemplo de uma situação que vi repetir-se ao longo dos anos, nas mais diversas ocasiões e com os mais diferentes protagonistas. 

Sempre atento, sempre ligado aos rumos e às dificuldades dos autores; num país pouco propenso a valorizar a produção literária, a boa vontade de Jorge Amado não conhecia limites: além das apresentações, dos prefácios, das indicações para prêmios, com a maior discrição, quase em surdina, ele sempre dava um jeito de abrir as portas, de facilitar as coisas, de aplainar os caminhos. E toda vez com a mesma simplicidade, modestamente, como se estivesse cumprindo uma obrigação. 

Raros, muito raros os escritores, artistas ou simplesmente amigos que, de um modo ou de outro, não se fizeram credores de sua generosidade. E, o que é mais interessante, às vezes até mesmo sem desconfiar…


*Myriam Fraga é poeta, contista, membro da Academia de Letras da Bahia e diretora da Fundação Casa de Jorge Amado.

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