segunda-feira, 2 de maio de 2011

entrevista de Jorge Amado a Ariovaldo Matos, publicada na Revista Viver Bahia, edição Julho/Setembro de 1978.






Apesar do preço (Cr$150,00) “Tieta do Agreste” mantém-se há 37 semanas na lista dos livros mais vendidos em todo o país e também isso - sobretudo se se considera ter esse romance quase 600 páginas - testemunha a imensa popularidade de Jorge Amado no Brasil. No exterior, seus romances estão traduzidos em dezenas de idiomas, inclusive em chinês e japonês. O cinema, e não só o brasileiro, tem aproveitado suas histórias para filmes. É autor de eventuais letras para canções, notadamente em parceria com Dorival Caymmi, amigos os dois há mais de 40 anos, a exemplo da famosa cantiga “É doce morrer no mar/ Nas ondas verdes do mar”.

O poder de criação de Jorge Amado é notável: fez teatro com “O Amor do Soldado” , literatura juvenil com “O gato Malhado e a Andorinha Sinhá” , contos esparsos, e o “Era uma vez três irmãs” (no romance “Terra do Sem Fim”) pode ser incluído entre os mais belos poemas em prosa da língua portuguesa. Segundo nota de Sergio Milliet, o que parece espontâneo foi arduamente trabalhado. Jornalista profissional, Jorge Amado escreveu, década de 40, anos da II Guerra Mundial, crônicas e artigos em “O Imparcial”, de Salvador, defendendo a participação do Brasil na luta antinazista e, ao mesmo tempo, oferecendo argumentos a favor da redemocratização do país.

Viveu, igualmente, a experiência de editor, dirigindo a coleção “Romances do Povo”, da Editorial Vitória. Graças a essa iniciativa foram traduzidos para o português romances magníficos, entre os quais “Donos do Orvalho” do haitiano Jacques Roumains e “Os Mortos Permanecem Jovens”, da alemã Anna Seghers.

De quando em quando acede a fazer palestras, conferencias. A última delas, a convite do ICBA e nesse instituto proferida, obteve excelente repercussão. Como que conversando, ele transmitiu ensinamentos práticos sobre o ofício de escrever, narrando por exemplo, como lhe surgiu a ideia de criar um dos seus mais típicos personagens: “Quincas Berro D’Água”. É que no Recife ele conheceu um cidadão gordo, alegre, que decidiu se libertar de uma família chatíssima. Vai daí...

Coleciona obras de arte, bonecas, ajuda sem paternalismo todos os que o procuram e têm talento, mantém fidelidade às suas convicções políticas, entendendo que, na realidade, começou a se tornar escritor com o romance “Cacau”.

E ama a Bahia e os baianos. Não por acaso é uma pessoa alegre, otimista, bom de boas comidas, bom de bons vinhos e de refrescos: quem quiser homenageá-lo indique onde é ainda possível encontrar uma cajuada de caráter. Além disso, é um cara responsável: se recebe uma carta, responde. Se não pode atender esse ou aquele convite, diz porque. Cuida-se contra assédios demasiados e isso é natural: ele precisa de tempo para trabalhar porque vive do que escreve.

paisagens e literatura: gregos lembram os baianos


A.M. ─ Em que medida a paisagem baiana o influencia no seu trabalho de ficcionista?



J.A. ─ A paisagem em que sentido?

A.M. ─ A geografia por exemplo.

J.A. ─ Eu acho que está presente em minha obra. Não é a presença mais forte, evidentemente A paisagem humana é mais, eu acho. Tanto a paisagem da capital, onde se desenrola uma parte da minha obra, quanto a paisagem do cacau. Esta, eu creio, é ainda mais presente, mais densamente presente do que na parte relativa à cidade da Bahia. Ainda assim ela está na cidade da Bahia. Uma paisagem, no entanto, que intencionalmente busca guardar memória de certos valores paisagísticos, antes tão característicos e hoje sofrendo, de certo modo, a agressão de monstruosos edifício situados quase sempre onde não deviam estar. Esta paisagem assim agredida não é aquela que está mais diretamente presente na minha obra.

A.M. ─ A presença é a da paisagem de ontem?

J.A . ─ Exato. Na minha obra está mais presente a paisagem como ela era antes e assim para guardar memória de como ela era, de como ela existia. Mas essa paisagem tampouco é elemento fundamental no meu trabalho.

A.M. ─ E o mar?

J.A. ─ É personagem importante o mar baiano. Meus livros começam e acabam no mar. Ele funciona muito em meus livros. É natural. Nós estamos aqui numa península, rodeada de mar, este mar que é uma beleza extraordinária. É um privilégio que nós temos o de viver na Bahia, viver com este mar em torno de nós.

A.M. ─ É sabido que você tem grande vivência internacional. Em “Confesso que Vivi”, Pablo Neruda narra episódios ocorridos na Ásia, na Europa etc., nos quais você aparece.

J.A. ─ Já viajei muito e ainda viajo.

A.M. ─ Conhece todos os continentes? Você viaja por gosto?

J.A ─ hoje eu viajo mais para lugares que eu já conheço e amo. Quer dizer, vou mais a certos lugares... Aquela ânsia de conhecer lugares novos já não tenho tanta. Andei o mundo todo, tirando a Austrália. Conheço grande parte do Oriente longínquo e do Oriente próximo. Conheço um pouco da África. Conheço a Europa muito bem e a América, seja a América do Sul, seja a América do Norte. Mas, sobretudo, conheço a Europa. Viajei a Europa toda.

A.M. ─ Das cidades estrangeiras que você conhece quais as que mais lhe lembram aqui a Bahia? Pergunto não apenas do ponto de vista da paisagem física e sim mais em termos de gentes.

J.A. ─ Você não fala em paisagem física, evidentemente. Se falássemos em termos de paisagem física teríamos que citar Lisboa imediatamente. Dizem que Luanda parece muito com a Bahia. Eu não conheço Angola, espero conhecer, não sei, mas tenho a impressão que a BahiaDacar, por exemplo, que lembram muito a Bahia, não é?

A.M.─ Não me lembro bem. Estive lá ligeiramente, horas...

J.A.─ Da maneira de ser do povo nós também somos misturas do negro,do ibérico, de gente vindas de todas as partes, e disso essa nossa doçura... por exemplo: eu acho que certas coisas da Grécia, dos gregos, certas coisas que recorda a Bahia, certas coisas dos portos meridionais, por ali. O viver da Grécia de certa forma me lembra o viver da Bahia.

A.M. ─ A vida intensa naquelas cidades marítimas...

J.A. ─ Cidades marítimas cheias de vida, de animação, de amor à vida, de vontade de fazer coisas, de realizar, capacidade de rir. Nisso os gregos se parecem mais conosco do que os próprios portugueses que são mais da melancolia, às vezes.

Doçura sem subserviência

A.M. ─ Os baianos estão mudando e, se estão, em que sentido?

J.A. ─ Evidentemente, estão mudando.

A.M. ─ Para o bem ou para o mal?

J.A. ─ Para o bem ou para o mal é você colocar as coisas de modo demasiadamente simples. Para bem um pouco, para o mal bastante. Quer dizer que talvez se esteja pagando muito caro pelo chamado progresso que, às vezes, não é exatamente progresso. O crescimento é feito não em função do povo, mas, às vezes, às expensas do povo. Sim, o homem baiano está mudando. Acho que o homem muda mais lentamente do que a sociedade. As coisas estão mudando, mas o homem, felizmente para nós, no caso do homem baiano, conserva ainda seus valores fundamentais certamente já atingidos pela sociedade de consumo. Já atingidos por tudo isso, tudo que esse tipo de progresso traz de violência de crueldade, de dificuldades, de limitações de toda espécie. Mas, eu tenho para mim que os valores fundamentais do povo ainda estão conservados: a sua resistência, a sua capacidade de alegria...

A.M. ─ De que modo esses valores se expressam?

J.A. ─ A meu vê se expressam na vida que o povo leva. A vida é muito dura, é muito difícil para o povo. Viver é quase um milagre e esse milagre o povo realiza diariamente. No entanto, apesar dessa dificuldade, dessa dureza, o povo não perde sua capacidade de rir, não perde sua capacidade de superar tudo isso e ir para adiante. A cortesia do povo, do homem pobre baiano é coisa extraordinária.

A.M. ─ É nesse sentido que você diz ser o povo baiano o mais doce do mundo?

J.A. ─ É. Eu poderia dizer também que é um povo extremamente educado e usaria mesmo o termo “civilizado”, bastante. Civilizado no sentido de que tendo uma doçura interior enorme, ele não tem nenhuma tendência a se dobrar, a se curvar. Para mim o que define o homem da Bahia é que o mais pobre homem da Bahia sente-se igual ao homem mais rico, isso no sentido de que ele te trata com a maior cordialidade, com a maior gentileza, com a maior doçura, mas ele quer, igualmente ser tratado por você da mesma maneira. Se você trata de cima, ele imediatamente se modifica, não aceita e não admite.

Quem promove a Bahia é ela mesma

A.M. ─ Você tem consciência de que é um eficaz “vendedor” da Bahia no Brasil e no Exterior?

J.A. ─ Todo escritor é um pouco isso. Todos nós que escrevemos sobre uma temática baiana fazemos a Bahia mais conhecida. Levamos as emoções, os sentimentos, a vida do povo baiano a outras terras, a outros povos, a outras gentes. Enfim, fazemos a Bahia mais conhecida, seja dentro do pais, seja no exterior. Mas, outros também o fazem muito. Um homem que realmente tem feito isso é Caymmi, são outros músicos como Caetano, Gil, vários outros, Waltinho Queiroz, Jocáfi e Antonio Carlos, são os interpretes, enfim todo o pessoal promovendo muito a Bahia, mas, não se trata da intenção de “vender” uma imagem. Há artistas plástico como Caribe, Mario Cravo, Jenner Augusto, tantos outros. Eu sou um desses e há outros escritores. Cada vez que traduzem um conto teu, um conto de Vasconcelos Maia, um poema de poeta nosso, a Bahia está sendo promovida.

A.M. ─ Diz-se que os baianos são os principais agentes turísticos da Bahia lá fora. Você concorda com isso?

J.A. ─ Eu acho que quem promove a Bahia é ela mesma, quer dizer, o próprio povo. E a Bahia no sentido de sua beleza, paisagística, dos seus costumes, dos hábitos, aquilo que o povo cria. Naturalmente os baianos são patriotas do seu pais, mas não são no Brasil, nem de longe, os mais bairristas. O baiano não é bairrista. Você vê que todo o mundo vem para aqui, o baiano acolhe. Mesmo no meio intelectual, você tem na Bahia uma circulação enorme de talentos vindos de outras partes do país e mesmo do estrangeiro. Tome por exemplo, o caso de Hansen Bahia, o grande gravador alemão.

A.M. ─ Em termos comerciais residir na Bahia não lhe causa prejuízos?

J.A. ─ Não creio. Sou um homem que vive dos direitos autorais dos meus livros. Eu mesmo escrever, por exemplo, para revistas, jornais, faço isso muito pouco. Se eu estivesse no Rio ou em São Paulo estaria mais próximo de jornais e revistas. Mas, eu pouco colaboro. Em geral colaboro mais fora do Brasil, fora da Bahia, em geral na Europa. Fora disso eu vivo mesmo é dos direitos autorais dos meus livros. Acho que em qualquer parte onde more é a mesma coisa. Pago os mesmos impostos, more aqui ou em qualquer parte do Brasil.

Livro e personagem preferidos

A.M. ─ E por falar em livro, uma vez você disse que “Tenda dos Milagres” é o seu melhor romance.

J.A. ─ É.

A.M. ─ Por que?

J.A. ─ Eu acho que das coisas, dos livros que escrevi, é aquele que me parece mais importante, se algum tem importância esse é o que terá mais. É um relato da luta do povo baiano, do povo brasileiro por consequência, contra o preconceito racial, contra o atraso, na luta pela mestiçagem que eu acho uma coisa muito importante para o Brasil. É, eu creio, um livro que trata as qualidades maiores do povo baiano. Por isso é o livro de minha preferência, entre quantos escrevi. Continuo a acha que é a melhor coisa que fiz.

A.M. ─ De todos os seus personagens, qual aquele do seu melhor agrado, aquele que mais o acompanha?

J.A. ─ Eu diria que é Pedro Arcanjo, do “Tenda dos Milagres”. Pedro Arcanjo, eu creio, é um personagem complexo, que não é fácil, que não é simples. Diria que ele é uma representação do povo, não só nas suas virtudes iniciais como também na sua possibilidade de avançar.

A.M. ─ Como você vê o quadro atual da literatura baiana?

J.A. ─ Acho que há alguns escritores muito importantes, todos os conhecem, todos sabem quais são. Não vou repetir nomes desde as gerações que vieram do modernismo (ainda vivi, com toda a sua poesia, o mestre Godofredo Filho) até os jovens que estão aparecendo aí. Gente que me parece muito boa, muita gente, não é? Evidentemente nem tudo é bom. Sou muito otimista. A Bahia sempre deu uma poderosa contribuição para a literatura brasileira. E eu creio que neste momento você conta com um grupo de poeta de alta qualidade. Mas, sobre tudo me anima essa pletora de jovens que aparecem nos suplementos, fazem jornaizinhos, sai um numero, outro não sai mais. Tudo isso é muito importante.

A.M. ─ Quais os artistas plásticos e cantores baianos com os quais você mais se identifica?

J.A. ─ Me identifico mais com aqueles cuja obra decorre diretamente da cultura popular. Sempre defendi a tese de que a importância da cultura da Bahia provém de que ela nasce da criação popular. Ou seja, se você toma nossa escultura moderna, a nossa melhor pintura moderna, a nossa plástica em geral, você vai encontrar suas raízes no artesanato daqueles que fazem e faziam, emblemas e figuras para o candomblé, por exemplo, ou daqueles que faziam imagens católicas. Dessa cultura nasce ao meu ver, a arte plástica. A nossa literatura também está extremamente ligada à cultura popular baiana, à vida popular. A nossa musica, enormemente. Na musica essa ligação é vital, é total, é completa. É evidentemente como em todos os tempos e em toda a criação artística e literária, existe sempre dois pólos: uma criação que tenha suas raízes no povo e uma criação elitista que busca a...

A.M. ─ Você entende por elitismo a arte erudita?

J.A. ─ Não. Eu acho que a arte pode ser extremamente erudita. Não gosto é do termo “erudita”. Não estabeleço uma linha de separação na arte. Ou seja, uma arte popular é uma arte erudita. Por exemplo, uma musica popular é uma musica erudita. Acho que existe uma única arte, uma única musica como uma única literatura.

A.M. ─ A diferença, então, resultará de puro tratamento técnico.

J.A. ─ É, tratamento técnico e condições de cultura daquele que a realiza. Quando falo elitista eu falo, exatamente, no sentido da realização quando separa a obra da criação do povo da grande a quem ela deve ser devolvida. Porque, ao meu ver, a criação deve nascer do povo e ao povo deve ser devolvida. Às vezes ela nasce do povo e não é devolvida ao povo. É a isso que me refiro quando digo elitista. Por conseqüência, voltando à sua pergunta, os artistas plásticos e os cantores que mais me tocam são aqueles que estão ligados à vida popular, à criação popular. Citar exemplos é sempre ruim porque você comete injustiças.

A.M. ─ As omissões são sempre muito chatas. Falamos em técnica, em arte. Você fez “Quincas Berro D’Água”. O tema é apaixonante, coisa e tal, mas não ouve também intenção de revelar um domínio de técnica literária?

J.A. ─ Não. Eu nunca tive essa pretensão nos meus livros. Acho que cada livro exige uma determinada técnica, uma determinada experiência. Cada livro é uma experiência diferente. Evidentemente ele se beneficia de suas experiências anteriores, daquilo que você adquiriu com o conhecimento do seu oficio. Mas, cada livro exige de você uma nova experiência: o “Quincas...” eu fiz para repetir uma coisa que tenho dito mais de uma vez em meus livros. Coisas que é dita, sobretudo, no “Quincas...” e na historia do Capitão Vasco Moscoso de Aragão (incluída no volume “Os Velhos Marinheiros” ─ nota da redação). Por isso mesmo, inicialmente, eu reuni essas duas histórias num único volume. A coisa é dizer que o homem é capaz de construir seu destino e que o homem tem possibilidade de levar adiante o grande sonho humano de fazer alguma coisa além daquilo que limitações de toda ordem ─ sociais, econômicas, em fim, de todo o tipo ─ tentam impedir que ele faça. No caso de “Quincas...” isso é levado quase ao extremo porque Quincas realiza seu destino mesmo depois de morto. Isso o que quis fazer. Não quis dar nenhum show de técnica e nem isso me passa pela cabeça. Eu não me preocupo com isso quando faço um livro.

turismo: há muito o que fazer

A.M. ─ Já se pode falar em poluição turística na Bahia?

J.A. ─ E eu pergunto se já se pode falar em turismo na Bahia...

A.M. ─ Falou-se em uns 800 mil turistas em 1977.

J.A. ─ Evidentemente, não se pode negar a existência de turistas na Bahia. Eles estão ai. Eles vêm. Mas o turismo apenas começa a se organizar como industria. A se organizar no sentido de que seja um fator ativo economicamente, um fator que traga ─ como traz em todas as partes do mundo, seja no mundo capitalista como no mundo socialista ─ benefícios para toda a Nação. Já há um caminho. Não há duvida que exista esse caminho, mas há muito o que fazer para que a gente possa falar, na Bahia, em termos de turismo organizado. Deficiência de varias ordem estão ai e todo mundo sabe. Mas, agora fala-se em poluição turística...

A.M. ─ Não haverá indícios? Coisas que desde já requeiram atenção, cuidados?

J.A ─ O turismo tem duas faces da medalha. Se o turismo é um elemento que defende o candomblé, as liberdades do candomblé, ou seja, defende o candomblé como item de interesse, ele pode, de outro lado, e sem duvida ele já o faz até certo ponto, influir de forma malsã sobre o candomblé e sobre todas as demais atividades desse tipo. E já influiu.

A.M. ─ Dê um exemplo.

J.A. ─ Vou citar um: o das chamadas “escolas de capoeira” que existiam anteriormente. Ainda existem escolas de capoeira, mas elas mudaram de caráter. As antigas escolas eram para aquelas pessoas, jovens ou não, que iam aprender a jogar capoeira como elemento de defesa. E aos sábados e domingos, de tarde, mestres de capoeira e seus alunos se reuniam para brincar de jogar sem nenhuma outra intenção senão a de se divertirem. Faziam o jogo da capoeira entre eles como um elemento de diversão, de lazer, de alegria. E eram assistidos por umas poucas pessoas do povo e alguns intelectuais que se interessavam por essas coisas, por esse assuntos. Como você, por exemplo, como eu. Hoje as escolas de capoeira continuam a existir, nelas as pessoas vão estudar, vão aprender, mas já não existem aquelas agradáveis reuniões de sábados e domingos. Elas desapareceram...

A.M. ─ Ou só acontece de vez em quando, mas raramente.

J.A. ─ Porque o turismo começou a invadi-las. Aquelas pessoas e os mestres de capoeira passaram a constituir grupo folclóricos ─ em geral pobres, em geral deficientes, um ou outro de melhor qualidade ─ para se exibirem para os turistas. Quer dizer, aí você tem uma mudança qualitativa, ao meu ver para pior. Eu não sou contra grupos folclóricos, acho que eles devem existir. Creio mesmo que eles devem ser prestigiados, de modo a se tornarem excelentes, mas sem que isso venha a destruir de uma vez por todas aquela oportunidade de lazer, aquela alegria que era a capoeira.

chaplin, o grande homem do século

A.M. ─ De todas as personalidades internacionais que você já conheceu, qual a que mais o impressionou?

J.A. ─ Acho que morreu a pouco tempo aquele que foi o maior homem de nossa época, Charlie Chaplin. Não tive a felicidade de privar de sua amizade, mas estive com ele duas vezes. A ultima vez foi quando entreguei o livro de Walter da Silveira (“Imagem e Roteiro de Charlie Chaplin”, nota da redação), explicando quem era Walter, o estado de saúde em que se encontrava. Disse, então, que Walter ficaria muito feliz se uma carta lhe fosse enviada. E Chaplin escreveu. Este homem, eu acho, foi aquele que mais contribuiu, mais do que qualquer estadista, mais do que qualquer outro homem, para a Humanidade, no nosso século. Charles Chaplin... tive a honra e a felicidade, em minha vida, de ser amigo de grandes homens, Joliot-Curie,Ilya Ehrenburg, Pudovkin, Picasso. De Chaplin não fui amigo. A primeira vez quando fomos entregar a ele o Premio Internacional da Paz, que lhe fora concedido, em 1953 ou 54. E outra vez, já disse, quando fui levar o livro de Walter.

A.M. ─ Chaplin já então residindo na Suíça?

J.A. ─ Sim, na Suíça. Acho que este homem deu à Humanidade uma contribuição enorme, imensa, inigualável.


Nota da RedaçãoUm dos principais pioneiros da critica e dos estudos cinematográficos no Brasil, Walter da Silveira publicou, em vida, dois livros: “Fronteiras do Cinema” e “Imagem e Roteiro de Charlie Chaplin”. A Fundação Cultural do Estado da Bahia vai publicar trabalhos que deixou inéditos, o primeiro dos quais “A Historia do Cinema Visto da Província”, com estudo introdutório de José Umberto Dias.


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